terça-feira, 8 de novembro de 2011

A REINTEGRAÇÃO DE POSSE



Dia 23 de outubro de 2008 a polícia militar do Paraná foi cumprir uma ordem de reintegração de posse num terreno da Rua João Dembinski, no bairro Fazendinha. A ocupação do terreno foi feita no último feriado de sete de setembro, durou 45 dias, juntou mais de mil famílias e parecia “um zoológico aos domingos”.

Mesmo sem saber que o Secretário de Segurança do Estado, Luis Fernando Delazari, costuma convidar a imprensa pra acompanhar reintegrações de posse, a equipe do Jornal TiraGosto foi lá e conversou com algumas pessoas durante a operação.



Chegamos lá pelas nove da manhã, por trás da ocupação, um pouco antes de um grupo da RONE – a polícia ostensiva, grupo que deu uns tiros de borracha pro ar e logo saiu. Depois da saída da RONE um policial militar bigodudo tranqüilizou o pessoal falando assim: “oh, pode ir lá retirar as coisas agora”. Descobri que a partir daquele momento os ocupantes do terreno tinham até às 14 horas pra arrumar sua mudança e sair do lugar.

O pessoal ainda não sabia que algumas dezenas de caminhões tinham sido contratados pelo dono do terreno para levar os colchões, madeiras, tv´s, pias e máquinas de lavar daquele povo. Mas esta informação não ficou clara, pelo menos para os moradores da região onde estávamos (na parte de trás da ocupação). Talvez esta incerteza, misturada à raiva e orgulho, tenha feito a maioria das pessoas juntarem suas tralhas e meterem fogo nos barracos. Alguns policiais militares mais prestativos tomavam também a iniciativa e metiam fogo ajudando a desocupar mais rápido a área. Alias, nunca tinha visto tanta polícia reunida na minha vida antes, quase mil policiais.

Servir e proteger - Sebastião da Veiga, um pai de família, e seu filho de 17 anos levaram umas cacetadas de um grupo de PM’s porque falaram pra eles “não queimarem a casa da senhora” que ali não estava. Mas a polícia não gosta de conversar em serviço e bateu em Sebastião, no seu filho (que entrou no meio) e ainda tentou agredir sua mulher. Além do braço enrolando na toalha verde, o orgulho de Sebastião também ficou ferido. “Nem do meu pai eu apanhei quando era criança pra chegar um filha da puta me bater”. Quando vi seu braço machucado e também machucada as costas do seu menino pensei “que merda tudo isto! No fundo os policiais são iguais a gente e nem se dão conta quando vestem a farda”

Pra você faz sentido passar por cima das pessoas por causa de terra? Pra mim não. Ainda mais se tratando de terras de um grupo que (não sei se ainda) tem a maior fazenda do mundo. Mas não posso culpar o grupo CR Almeida pelo sistema que permite acumular muitas terras e propriedades e riquezas em poucas mãos. E nem culpo os policias militares por estarem cumprindo uma obrigação.



O resultado da reintegração de posse teve uma repercussão negativa na imprensa, principalmente para a polícia militar do Paraná: dois comandantes foram afastados dos seus cargos pelo secretário Delazari e isto gerou revolta nos policiais. Afinal eles estavam cumprindo ordens. E “a Lei é montada é de maneira que garanta a ordem. Não tem a ver com justiça, nem nada. E, se for necessário usar violência pra manter a ordem: azar de quem acorda fora da lei”. Então paciência.

Fora pequenas coisas como “pequenas” agressões. Não vi a polícia cometendo tantos abusos de poder nesta reintegração - tomando como parâmetro histórias sobre ditaduras e outras polícias. Na verdade, acho que a polícia é um retrato da sua sociedade. “dê poder ao homem que ele se revela”. E aqui foi triste perceber que da Carta de declaração dos direitos humanos o artigo 17 “o direito a propriedade” continua sendo o mais respeitado.



Ver a polícia marchando pra cima de mulheres e crianças é uma tristeza. Os valores morais da gente são destruídos quando um homem vira máquina incapaz de conversar. A parte social nem se fala quando se opõe a interesses econômicos e políticos. É a tal ética política, administrativa. Mas vou te contar: é triste ver um homem deixar de ser cavalheiro e partir pra cima de mulheres. Um homem deixar de ser pai ao descuidar do filho dos outros.



Repito: não saiu tanta gente ferida desta operação, até onde sei nenhuma morte confirmada, a violência física não foi o maior problema. O terrível pra mim foi constatar que o Estado (a estrutura voando a 0,5 cm da terra) é contra o povo. Então, compreendo a revolta dos policiais militares que levaram a culpa na história – por causa da represália da imprensa e do próprio Secretario Delazari que afastou os comandantes da operação.

Todo mundo chutou a polícia, mas ninguém contestou o lugar sagrado da propriedade privada. Assim, a parte operacional foi super valorizado, pra apagar a questão econômica, social e política que fez tudo mudar rapidamente. É só lembrar que há poucas semanas o voto de cada uma daquelas pessoas valia a mesma coisa, e foram assediados. Agora na reintegração de posse eles deveriam ser arrancados do terreno a todo custo, sem nenhum valor.

LH.


A REINTEGRAÇÃO DE POSSE II – DÚVIDA CRUEL



Acho que dá pra fazer uma pergunta, pelo menos, uma reflexão: por que não tiraram o pessoal antes das eleições?

1)Porque o voto do pobre vale a mesma a coisa. Vale um - igual a gol feio. O povo é a maioria. Mas é sempre levado na palma da mão – se engana e é enganado. Às vezes dá uns golpes de malandro pra comer.

Às vezes manipula, quase sempre é manipulado. Massa de manobra. Sem cara, o povo são os outros. Penso feio, desdentado. Mas vota sem muito querer. Eu também. Porque é uma obrigação fundamental pra continuar este jogo.

Orientação política - Perguntei sobre a orientação política e a moradora Patrícia Patrício me contou que “passavam ali pedindo pra votar no Beto Richa” Quem pedia? Os próprios moradores. Hum. Outro Morador Edson Luiz da Conceição arriscou dizer que ali foram “três mil votos pro Beto”. Em contrapartida, um dos caminhoneiros me disse que quando “estourou” um barraco saiu voando um monte de santinhos da Gleisi Hofman, candidata do PT a prefeitura de Curitiba.

Nosso cinegrafista André Domingues, que inclusive é militante do PT, esteve na ocupação antes das eleições e me garantiu que não ficava claro pra quem era o apoio político das pessoas da ocupação. “Não tinha bandeira, nada”. Alias pra ele o negócio estava “estranho” até porque não tinha vamos dizer assim “uma liderança, uma organização”. Nenhum Juvenal Antena que fosse.

Descobrimos que lá tinha uma ONG, a União da Moradia Popular, cadastrando as pessoas. E também ouvi sobre três advogados, não sei se agiam juntos, que pediram documentos e 100 reais por família pra tentar regularizar a situação. Ouvi também que a turma, no fervo de quinta-feira, saiu correndo pra pegar um advogado. Mas não pude confirmar.

Não dá pra simplesmente dizer que este pessoal é massa de manobra e/ou que só tinha gente rica ali. Tinha gente rica ali. Tinha traficante. Tinha gente que não precisava. Alias muito terreno foi vendido. Mas é verdade também que muitos não tinham onde morar. Eis a questão: estavam ali ocupando aquela terra.

NOSSAS DIFICULDADES
A cada dia que passa fica mais difícil o trabalho do jornalista. Todo mundo sabe de tudo! É muito fácil a gente bancar o idiota. Mesmo porque você escuta cada coisa, inclusive nomes soltos pra te manipular. É informação de todo lado, por exemplo, se fossemos na conversa do povo “morreu um bebê pisoteado, um cara fuzilado e jogado no riozinho, um bêbado queimado” e por aí vai. A mulher da SAMU confirmou o atendimento a quatro pessoas. Um policial mais calmo me disse que tudo correu bem.

HISTÓRIA E CONSTRUÇÃO DO DESTINO
Nos fundos da ocupação vimos alicerces de uma construção da época de 1998. Descobri que naquele pedaço estava morando (por mais uma vez) a família Patrício. Mais uma vez por quê?! Segundo Patrícia Patrício e alguns irmãos presentes ali, o avô deles, Antonio Patrício do Santos, morou por quarenta anos naquele mesmo pedaçinho de terra. Até que em 1998 foi retirado por jagunços, teve sua casa queimada e teve de abandonar o terreno – um pedaçinho lá nos fundos da ocupação. Dois anos depois o velho Antônio morreu de desgosto.

A família Patrício garante que nada será feito no terreno desocupado porque ele está todo enrolado, impostos e mais. Outros ocupantes acham que daqui um ano ali será um condomínio de luxo - e que eles só foram deixados até aquele momento pra limpar e desmatar o terreno: poupando algumas multas e preocupações pra imobiliária.

Ahh, um cara, que não quis se identificar, me mandou (com toda sinceridade) perguntar se eles vão ser “ressarcidos pelo trabalho de limpar o terreno e cortar árvores?”. Disse pra ele que “não, nem a pau Juvenal” e pra ele tomar cuidado porque um cara lá na rua até falou assim pro nosso cinegrafista, André Domingues, (que filmava a mão de uma menina que o cachorro mordeu); “você fica filmando as pessoas né!? vai filmar as árvores que elas derrubaram!”.

Está certo que Curitiba já foi capital ecológica. Mas o cidadão que mandou o André filmar as árvores não deve saber que Curitiba agora é a “Capital Social”.

OUTRAS HISTÓRIAS



Já no começo, ainda no asfalto, ouvi um negro alto falando da história de uma bêbado folgado que passava bem perto do pelotão da RONE, que vinha com cachorro e tudo, quando levou uma mordida na bunda e acabou pendurado na boca do cachorro. Foi exagerado. O mesmo cara mostrava um vergão nas costas que, segundo ele, eram estilhaços de bomba ou de bala, sei lá.



Depois conheci o cara do cachorro. Descobri que ele perdeu “uma geladeira e três quilos de pinga”. Os amigos ainda o recriminavam por ter matado o cachorro com a mordida. Como dizem seria cômico, se não fosse trágico.

Quem quiser conhecer esta e outras figuras é só ir lá na rua Rua João Dembinski s/nº.

pub. dia 27/10/2008 por Leandro Hammerschmidt e equipe: Bianca H., Rodrigo Choinski e André Luiz Domingues

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Um comentário:

  1. leandro Says:
    outubro 27th, 2008 at 8:12 pm

    Preciso dizer também que muita gente era a favor da desocupação do terreno. Então, não se trata só de interesse políticos, econômicos e polícia. Trata-se do povo mesmo. Povo VS Povo: uma mulher, catadora de latinha, vibrou com a desocupação. Segundo ela todo mundo ali na ocupação tinha uma casa em outro lugar. Esta “tese” era confirmada por um dos caminhoneiros (50 caminhões foram contratados pelos donos do terreno pra levar as coisas do pessoal que estava sendo despejado), “as mudanças ficavam ali pela região: Caioa, Vila Sandra e numa exceção Pilarzinho - mas pra lá não era pra levar”.

    Acho que já existia uma opinião formada sobre esta invasão, ouvi muita gente argumentando que ali na invasão só tinha pessoas que não precisavam do terreno. “Só tinha carrão ali” garante um morador das redondezas. Agora segundo uma moradora da ocupação, ali tinha de tudo, desde famílias sem teto, sem terra, como também tinha traficantes, comerciantes da região; passando por gente que só dormia ali pra guardar terreno.


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    Paulo Says:
    outubro 27th, 2008 at 8:24 pm

    Leandro, não sei se é uma crítica, mas minha familia mora muito perto da invasão e algumas pessoas que residiam nela estavam causando problemas. E não me refiro a pedir dinheiro e deixar o local mais feio. Me refiro assaltos, roubos e perturbação mesmo. sou a favor da reintegração de posse neste caso. Vi pessoalmente a chegada das famílias trazidas tambem por onibus dos candidatos Custódio e Sandoval. Isto era oq mais me irritava. O próprio sr custódio foi o responsavel por invasão no bairro Nossa Senhora da Luz (CIC) com a promessa, sempre, de que as terras serão legalizadas. inclusive a “favela” proxima a esta invasão é fruto da mesma atitude eleitoral doente que se aproveita de famílias desfavorecidas e aumenta problemas. Muito boa a iniciativa, mas tenho outras fontes. se quiser…….

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    leandro Says:
    outubro 27th, 2008 at 8:50 pm

    Paulo obrigado por nos dar sua opinião e informações que não tinha. Mas quero te dizer que não sei o que é certo e o que é errado. Se sou a favor ou contra. Sou a favor de alguma coisa, mas contra como estava. Como vc relata, os caras incomodavam. Mas por outro lado acho que a terra tem um valor social. Mas concordo com vc que o problema aumenta dependendo do jeito que as são feitas. mas a vida é isto ai, se o Estado não comparecer antes, sempre vai aparecer um candidato e uma promessa

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