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quarta-feira, 11 de julho de 2012

DÍSTICO DOS NEURÓTICOS

pub dia 22/03/2009 por Rodrigo Choinski 21/11/2007 às 02:23 - alternativistas-1@yahoo.com.br

Parte I

Meu pai quando tinha lá seus trinta anos já alcançara na empresa em que trabalhava um posto de respeito. Seu potencial técnico muito bem explorado o levou rapidamente a essa situação. O resultado disso foi a convivência dele, nesta época, com gente muito rica, desta gente não lembro nem o nome. O que não me sai da memória são os dias de festas, me deixavam na casa de um? amiguinho? rico, penso que era para economizar a babá, mas não sei.

No quarto, lembro muito bem, um longo trilho de trem, fazendas em miniatura, rios, pontes e montanhas, além de vários brinquedos muito vistosos. Eu ficava deslumbrado, mas sabe, na terceira vez eu já odiava aquilo. O motivo era Anderson, o dono da montanha de brinquedos. O garoto era um nojo, se perdia um jogo, chorava, se eu aproveitava para brincar com as raridades em uma escapada enquanto ele se distraía com Ana Cláudia, outra menina que odiava Anderson, vinha me acusando e inventava histórias para a babá.

No primeiro dia ela equilibrava as brigas, depois a coisa mudou, a parcialidade para com Dondom era um desacato, é, esse era o apelido ridículo de Anderson. Eu chorava de raiva. Penso hoje que o garoto reclamara com sua mãe sobre mim, pobre Nívea, a babá, deve ter sido esculachada.

Na quarta e última vez que estive naquela casa, nem olhei na cara do maldito Dondom, resolvi fazer uma traquinagem, esperei uma bobiada da Nívea, entrei e me tranquei no quarto dele. Ah que prazer eu senti em degolar o antipático Blaublau, um urso com cara de sonso, ele sempre ficava do lado do Dondom, toda vez, era certo. Mas minha vingança foi rápida e vociferante, com uma faca que eu roubara da cozinha e trouxera dentro de meu fiel escudeiro Alegre, uma sorridente centopéia de pelúcia, um pouco encardida, de quem jamais me separava, serrei a cabeça do traidor, depois arranquei os olhos e ainda cortei uma perna. É, eu não gostava mesmo do Blaublau.

Para o trem me inspirara no filme a ponte do Rio Kwai, que havia assistido a pouco tempo com meu pai, tudo bem que não havia tempo para detalhes, mas uma pilha de super-homens, batmans, changemans e giraias, todos devidamente esmagados e quebrados com a ajuda da porta do armário, representavam os mortos e feridos. Nem preciso falar do estado do trem, também vítima da pesada porta-prensa.

Os barulhos chamaram a atenção de Nívea e, é claro, Dondom veio ver o que acontecia em seu reino particular. Minha primeira resposta às investidas da babá batendo na porta foi o barulho do vistoso aquário partindo-se em mil pedaços arremessado contra a escrivaninha com tampo de vidro. Esta parte foi a mais traumática do episódio, não porque eu havia me cortado em um pedaço de vidro, o que me custaria um ponto na panturrilha e o fim do prazer no resto do caso, já que me assustara com tanto sangue e não pude conter o choro. O que me fez mal foi causar a morte dos três peixinhos coloridos, sempre imparciais com aquela cara característica dos peixes, os pobres inocentes se debateram e morreram, um em cima da cama encharcada os outros em meio ao caos que eu transformara a escrivaninha.

Foram dois meses com a consciência pesada, sabia o nome de cada um deles, todo dia neste tempo rezei por suas almas, pequenininhas, de peixe de aquário. Eu que não sabia que as grandes batalhas cobram seus mortos, mas mesmo assim me arrependo de ter jogado o aquário, pelos peixes, só por isso, pois o barulho foi a gota d?água para o desespero de Dondom. Nívea já batia com força na porta, mas a mirrada adolescente não tinha força para arrombar, devia ter vindo do interior ou da periferia pois era pequena, tinha, o quê, uns 16, mas aparentava uns 13.

Andersom estava furioso, seu império caíra em mãos bárbaras e não sabia o que acontecia lá dentro, só ouvia o barulho de um furacão, além de choro. Jogou-se então o menino como um aríete contra a porta, e de novo e de novo, mas portas de ricos não cedem facilmente, certamente era de imbuia maciça e com uma boa tranca. Isto me motivou, o sangue dera uma trégua e o susto havia passado. Havia outro alvo óbvio, escalei a prateleira, derrubando tudo no caminho, no alto um lindo aeromodelo e um barco dentro de uma garrafa. Minha experiência com vidro me fez ser bem mais cuidadoso ao arremessar o barco. O aeromodelo joguei em cima da cama, desci. As pancadas na porta não cessavam. Abri a janela, era no quarto andar, estrebuchou-se lá embaixo, digno de um kamikaze, ainda vi o rotweiller cheirar, esnobe, a aeronave destruída.

O caos estava formado e a porta não se abria. Por mera progressão dos fatos abri o guarda-roupa e joguei o que pude para fora. Lá dentro havia um jogo de tintas, era o próximo passo, pintei o que pude. Na parede branca escrevi? Dondom dondoca?, que ele odiava. A raquete de tênis usei para bagunçar o que ainda estava inteiro e no lugar. Por fim joguei pela janela um bonito brasão do Coritiba Futebol Clube, meu pai era Colorado assim como eu, na época.

Ao parar escutei o choro da tímida Ana, não tinha boca para nada, era pouco mais nova que a gente e preferia aceitar as manhas de Dondom a enfrentá-lo. Sempre acabava chorando, quando o abuso se tornava mais intenso. Agora ela chorava por minha causa, devia estar com medo, assustada com tudo aquilo. O choro de Ana amolecera meu coração, mais que os peixinhos, e no fim ela era minha camarada, vítima da mesma situação… não faria mais nada.

A missão parecia cumprida, agora era esperar as conseqüências, juntei Alegre do chão, estava molhado, sujo de sangue e de tinta, quase um veterano de guerra. Esperei por algum tempo sentado no chão, olhando aquilo tudo, era tão horrível e tão bom ao mesmo tempo.

As pancadas cessaram, barulho de fechadura, a porta se abriu, uma chave reserva de certo. Veio a reação. Nívea estancou diante da balburdia estava vermelha de raiva, avançou sobre mim, agarrou-me pelas duas orelhas e me levantou. Abracei Alegre e fechei os olhos. Quando ela me soltou voltei a abrir, ela dava fortes tapas na minha bunda me levando para fora do quarto.

Na porta Dondom estupefato, quando caiu em si avançou sobre mim, eu estava cercado. Ana assistia tudo, com cara de choro, por trás de Anderson. Como tinha as mãos livres me defendi e antes que ele me acertasse mirei no meio da cara dele. Obviamente eu chorava muito, o que não impediu de eu por a cereja no bolo, Dondom estava lavado de sangue que saía de seu nariz.

Apanhei muito da Nívea aquele dia, meus pais e os de Anderson discutiram. Meu pai quis pagar os prejuízos o que não foi aceito. Apanhei mais depois, de meu pai ainda na casa de Dondom, pelo menos não foi na frente dele. Depois fui para o posto de saúde e nunca mais vi Dondom, entre mortos e feridos, foram-se os peixinhos, sobrevivemos eu e Alegre, praticamente intactos. Curti com gosto o longo castigo, sem Atari, nem rua, nem tevê.

Dois meses depois meu pai me levou pescar, depois do terceiro lambari de rabo vermelho, é, igual ao do Dalton, já não tinha tantos remorsos das mortes daquele dia.

Parte II

O que pouca gente prestou atenção aquele dia foram às manchas de sangue na porta, da mão de Anderson, que em seu desespero por medo de perder suas coisas e por sua raiva tentava em vão abrir a porta.

O sangue e as marcas de suas unhas cravadas com ódio na nobre madeira da porta.

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sexta-feira, 18 de maio de 2012

TRINTA E OITO RAZÕES


A chuva já o ensopava, começou com uma garoa e agora a água escorre por dentro de seu rego, causando um grande desconforto. Mantém-se firme, sentado no meio-fio a bem uma hora, seu alvo é óbvio, a casa de alvenaria a sua frente. Casa de gente branca e gorda, daquela aparente felicidade, que até irrita.

As luzes das janelas da fachada estão acesas, conhece muito bem, à sua esquerda, a sala, um sofá, uma tevê com defeito em um hack, uma mesa de jantar e uma velha cristaleira que contrasta com os outros móveis, à direita, o quarto, uma cama de casal, um guarda roupa e uma tevê nova, comprada à prestação.

Bem se vê que as duas tevês estão ligadas e de certo que o moleque Alessandro está fazendo alguma manha e logo irá dormir. Sua mãe vai ajeitá-lo na cama, vai desligar a luz do quarto e baixar o volume da tevê. Depois vai abrir a porta e se inclinando sem sair do quarto vai dizer com um sorriso no rosto ?to indo dormir, vocês fiquem a vontade, mas olha lá hein?. Ele embaraçado faria uma piada, ela riria muito e iria finalmente se deitar e a noite estava livre para os dois, no sofá.

N Ã O! Ele não está no sofá, ele está no meio fio, ensopado, e olha a casa atentamente, talvez outro em seu lugar, ao lado dela, tocando sua pele macia e branca. Estremece, pega sua velha mochila, abre e confere o trinta e oito enrolado numa sacola de mercado, um cuidado para não molhar. Colocou bala por bala, seis balas, ainda agora, de tarde. ?Que horas são??. Pega o celular, não funciona, encharcado.

Olha de novo, um segundo e a luz do lado direito já apagada. Fecha a mochila, se levanta agitado, dá dois passos, pára, a outra luz se apaga. Alívio, ela foi dormir.

Avança rápido, cuida para que ninguém o veja, chega à beira da grade, estica-se para a casa vizinha, volta. Encoberto pelos arbustos que vez ou outra ele próprio podava junto à menina, pula o portão. Atravessa o quintal de ponta a outra, trepa no muro, tenta alcançar algo, volta. Traz com cuidado algo na mão esquerda, de canhoto, tenta proteger mas a chuva é forte, pensa que de um jeito ou de outro terá seu efeito.


Já é hora e está decidido, avança, passa pela lateral da casa, vai até a janela da menina, uma tênue luz azul indica que o abajur está aceso. Encosta-se na parede, o beiral dá uma trégua à chuva, aproveita para respirar um pouco. É agora ou nunca…


***
Às três horas da manhã, do dia 25 de Fevereiro de 2007, deu entrada no Vigésimo Segundo DP de Curitiba, Cláudio Osnir da Silva, 18 anos, por assalto a mão armada. Jornais popularescos noticiaram sem muito destaque a tentativa de assalto à casa de um rico empresário, cujo nome não foi revelado. Nada disseram da vida de Cláudio nem o que pretendia fazer com o dinheiro. Na matéria uma foto dele, a cabeça coberta com a camiseta e um policial fazendo pose com uma metralhadora, no texto a série diária de adjetivos, sempre condenando sumariamente.
Lançada outra edição quem se lembraria do garoto? Assim, perdido entre tantos outros iguais…


***
Às nove da manhã Mariana não demorou a reconhecer de quem era o presente em sua janela. A flor podia ser roubada e estar judiada da chuva, mas foi a mais singela surpresa que teve em seus dezesseis anos de vida e quem sabe se não, pela vida toda. O certo é que ela não esqueceria.

Rodrigo Choinski 13/09/2007 às 15:30h

pub. dia 29/03/2009 por Rodrigo Choinski - alternativistas-1@yahoo.com.br

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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

MANIFESTAÇÃO PELO DIREITO DE IR E VIR POR R$ 3,80

Rodrigo Choinski é estudante de jornalismo da UFPR, mora no São Braz, tem uma mãe muito gente-fina. Trabalhou na campanha do PSOL para a prefeitura de Curitiba e está sempre metido em manifestações como a do dia 13 de fevereiro, pela redução da tarifa de ônibus. Sobre essa passeata ele nos relatou o seguinte:

pub. dia 20/02/2009 por Rodrigo Choinski – alternativistas-1@yahoo.com.br

A praça está como sempre, digo, sempre quando estas agitações tomam conta da cidade. Sempre que aqueles com sangue vivo nas veias, não mais seguram-se em seus postos de trabalho ou salas de aula, em seus lugares banais, definidos pela ordenação social, os lugares daquele dito autoritário e elitista: “ponha-se no seu lugar”.

Justamente o contrário nestes dias, impelidos pela humanidade, que com cuidado cultivam, saem dos lugares definidos, enfrentam a autoridade imposta. E tomam a praça pública, as ruas, o que for, dependendo de suas possibilidades.

Mas fale-nos, fale-nos como estava a praça!

Na praça uma mistura de cores vermelho-roxo-amarelo e negro-branco-laranja, apitos, tambores e pulos, enquanto a multidão denuncia, brincando e dançando: “quem não pula quer aumento!”. Na praça movimentos que fazem jus ao nome, movimentam-se! E partidos que não fecham com o governo, seja qual for…

Na praça também tensão, uma comissão de segurança. Afinal a menos de uma semana o Estado apareceu na sua função predileta: reprimir gente indefesa utilizando uma desculpa esfarrapada. O saldo: uns bons machucados, um osso trincado e um braço quebrado e claro a tentativa de abrir algum processo, já que a Justiça, fora seus conchavos, função primordial, compraz-se em tecer estes retalhos burocráticos de urdidura confusa, claro, sempre contra a gente pequena.

A comissão de segurança não usava uniforme ou arma, e nem de falsa autoridade para se impor. Sua função era evitar acidentes e incidentes e limitou-se a usar uma faixa amarela de feltro amarrada no braço para ser identificada.

E de repente precipitou-se! A praça ficou vazia e ao som do auto-falante repetindo ora palavras de ordem ora as exigências que se exigiam, as pessoas tomaram as ruas, contornando o prédio da Universidade Federal e seguindo em direção à Prefeitura. As pessoas nos ônibus e nas janelas dos prédios ficavam olhando. Um ou outro foi aderindo pelo caminho. Uma parada no Colégio Estadual, vários estudantes aderem, e toca a marcha. Nova parada, agora em frente a FIEP, avançando na pauta, sindicalistas no auto-falante conflagram as pessoas a dar um recado aos empresários, gritos de ordem ressoam pelos escritórios do prédio azul: “1,2,3,4,5 mil…ou param as demissões… ou paramos o Brasil!”.

Avançam, se estabelecem em frente à Prefeitura. Exigem que o prefeito receba uma comissão, não recebe. De repente, eis que surge o personagem chave, escondido no caminhão de som, (não é que acompanhou tudo desde o começo), aparece meio tímido diante dos discursos inflamados. Pesa-lhe representar quem representa, faltando-lhe figueira a que pudesse enforcar-se, o Judas-Richa cumpre a sina suicida precipitando-se para a malhação, levada a cabo pelos presentes, antes de ser consumido pelo fogo e tornar-se em amontoado de cinzas.

O preço da traição não foi de 30 moedas, como de seu correlato Iscariotes, mas de 30 centavos. Quantia em que aumentou a passagem como um dos primeiros atos de seu segundo mandato.

O texto, com as exigências dos manifestantes, é novamente lido para quem quiser ouvir. As entidades presentes fazem seus discursos e o ato vai se dispersando.

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Leia agora o texto dos manifestantes

“FRENTE PELA REDUÇÃO DA TARIFA E PELO PASSE LIVRE
POR UM TRANSPORTE PÚBLICO, SEGURO E DE QUALIDADE

Recentemente o prefeito Beto Richa tomou uma medida injusta, quando aumentou o preço da passagem de ônibus em R$ 0,30, passando de R$ 1,90 para R$ 2,20. O que significa um aumento de 15,7%. Frente a mais este ataque as nossas condições de vida, temos que perguntar: Qual trabalhador teve um aumento de 15% em seu salário?

Precisamos barrar esta medida. Ou não basta para o prefeito o sofrimento causado pela crise econômica que está deixando milhares de famílias desempregadas? Os responsáveis pela crise, patrões e representantes do capital financeiro e industrial, estão jogando nas costas da classe trabalhadora todos os problemas ocasionados por tal crise.

Os setores de serviços, comércio e principalmente a indústria já demitiram milhares na capital. Ao invés de aumentar o preço da passagem o prefeito deveria se posicionar contra as demissões e pela estabilidade no emprego, além de garantir o passe livre para os desempregados. Mas esta não é postura de Beto Richa, como nos mostram os casos da linha verde e o despejo violento das famílias que moravam na ocupação do bairro Fazendinha.

O fato é que não temos um transporte público seguro e de qualidade. Como ficou evidente no caso da trabalhadora da limpeza que morreu ao cair da porta do ligeirinho na linha Curitiba – Araucária. São poucos ônibus e por isso sempre estão super lotados.  Mesmo lucrando tanto, as empresas não oferecem melhores condições de trabalho e salário aos trabalhadores do transporte, por isso os assaltos as estações tubo e aos ônibus, são uma triste realidade para motoristas e cobradores que pagam reembolso à empresa pelo crime que não cometeram.
O prefeito posicionou-se a favor do lucro das empresas e contra a população. Nós ao contrário, exigimos a indenização para todos aqueles que são vítimas da falta de segurança no transporte devido ao descaso da empresa e prefeitura. Também queremos mais ônibus em todas as linhas que circulam na cidade.

Ônibus lotados. Abuso sexual constante. Filas gigantescas. Ausência de passe – livre para estudantes. Falta de segurança. Esta é a verdadeira realidade do transporte público que a propaganda da prefeitura não divulga.

Precisamos unir os trabalhadores e estudantes pela redução do preço da passagem. É hora de nos unir na luta por nossos direitos em um grande Ato Público por: trabalho, moradia, saúde, educação e transporte público:

·         Redução imediata do preço da passagem para R$ 1,90;
·         Passe livre para estudantes e desempregados;
·         Indenização aos trabalhadores do transporte e usuários vítimas da insegurança;
·         Melhores condições de trabalho e aumento salarial para os trabalhadores do transporte;
·         Fim do reembolso pelos assaltos às empresas! Motoristas e cobradores não devem pagar pelo crime que não cometeram;
·         Pela abertura das contas da URBS para a população;

Dentre os que participaram e ajudaram a organizar o ato estavam PSOL, PSTU, PCB, Conlutas, MPL, Consulta Popular, Marcha Mundial pela paz e não violência, Via Campesina e MST, DCE-UFPR, Oposição-DCE-UFPR, CAN – UFPR, FARJ, Movimento Mudança, Sinditest – UFPR, tendência Esquerda Marxista (PT), Assembléia Popular, Conlute.”

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terça-feira, 8 de novembro de 2011

A REINTEGRAÇÃO DE POSSE



Dia 23 de outubro de 2008 a polícia militar do Paraná foi cumprir uma ordem de reintegração de posse num terreno da Rua João Dembinski, no bairro Fazendinha. A ocupação do terreno foi feita no último feriado de sete de setembro, durou 45 dias, juntou mais de mil famílias e parecia “um zoológico aos domingos”.

Mesmo sem saber que o Secretário de Segurança do Estado, Luis Fernando Delazari, costuma convidar a imprensa pra acompanhar reintegrações de posse, a equipe do Jornal TiraGosto foi lá e conversou com algumas pessoas durante a operação.



Chegamos lá pelas nove da manhã, por trás da ocupação, um pouco antes de um grupo da RONE – a polícia ostensiva, grupo que deu uns tiros de borracha pro ar e logo saiu. Depois da saída da RONE um policial militar bigodudo tranqüilizou o pessoal falando assim: “oh, pode ir lá retirar as coisas agora”. Descobri que a partir daquele momento os ocupantes do terreno tinham até às 14 horas pra arrumar sua mudança e sair do lugar.

O pessoal ainda não sabia que algumas dezenas de caminhões tinham sido contratados pelo dono do terreno para levar os colchões, madeiras, tv´s, pias e máquinas de lavar daquele povo. Mas esta informação não ficou clara, pelo menos para os moradores da região onde estávamos (na parte de trás da ocupação). Talvez esta incerteza, misturada à raiva e orgulho, tenha feito a maioria das pessoas juntarem suas tralhas e meterem fogo nos barracos. Alguns policiais militares mais prestativos tomavam também a iniciativa e metiam fogo ajudando a desocupar mais rápido a área. Alias, nunca tinha visto tanta polícia reunida na minha vida antes, quase mil policiais.

Servir e proteger - Sebastião da Veiga, um pai de família, e seu filho de 17 anos levaram umas cacetadas de um grupo de PM’s porque falaram pra eles “não queimarem a casa da senhora” que ali não estava. Mas a polícia não gosta de conversar em serviço e bateu em Sebastião, no seu filho (que entrou no meio) e ainda tentou agredir sua mulher. Além do braço enrolando na toalha verde, o orgulho de Sebastião também ficou ferido. “Nem do meu pai eu apanhei quando era criança pra chegar um filha da puta me bater”. Quando vi seu braço machucado e também machucada as costas do seu menino pensei “que merda tudo isto! No fundo os policiais são iguais a gente e nem se dão conta quando vestem a farda”

Pra você faz sentido passar por cima das pessoas por causa de terra? Pra mim não. Ainda mais se tratando de terras de um grupo que (não sei se ainda) tem a maior fazenda do mundo. Mas não posso culpar o grupo CR Almeida pelo sistema que permite acumular muitas terras e propriedades e riquezas em poucas mãos. E nem culpo os policias militares por estarem cumprindo uma obrigação.



O resultado da reintegração de posse teve uma repercussão negativa na imprensa, principalmente para a polícia militar do Paraná: dois comandantes foram afastados dos seus cargos pelo secretário Delazari e isto gerou revolta nos policiais. Afinal eles estavam cumprindo ordens. E “a Lei é montada é de maneira que garanta a ordem. Não tem a ver com justiça, nem nada. E, se for necessário usar violência pra manter a ordem: azar de quem acorda fora da lei”. Então paciência.

Fora pequenas coisas como “pequenas” agressões. Não vi a polícia cometendo tantos abusos de poder nesta reintegração - tomando como parâmetro histórias sobre ditaduras e outras polícias. Na verdade, acho que a polícia é um retrato da sua sociedade. “dê poder ao homem que ele se revela”. E aqui foi triste perceber que da Carta de declaração dos direitos humanos o artigo 17 “o direito a propriedade” continua sendo o mais respeitado.



Ver a polícia marchando pra cima de mulheres e crianças é uma tristeza. Os valores morais da gente são destruídos quando um homem vira máquina incapaz de conversar. A parte social nem se fala quando se opõe a interesses econômicos e políticos. É a tal ética política, administrativa. Mas vou te contar: é triste ver um homem deixar de ser cavalheiro e partir pra cima de mulheres. Um homem deixar de ser pai ao descuidar do filho dos outros.



Repito: não saiu tanta gente ferida desta operação, até onde sei nenhuma morte confirmada, a violência física não foi o maior problema. O terrível pra mim foi constatar que o Estado (a estrutura voando a 0,5 cm da terra) é contra o povo. Então, compreendo a revolta dos policiais militares que levaram a culpa na história – por causa da represália da imprensa e do próprio Secretario Delazari que afastou os comandantes da operação.

Todo mundo chutou a polícia, mas ninguém contestou o lugar sagrado da propriedade privada. Assim, a parte operacional foi super valorizado, pra apagar a questão econômica, social e política que fez tudo mudar rapidamente. É só lembrar que há poucas semanas o voto de cada uma daquelas pessoas valia a mesma coisa, e foram assediados. Agora na reintegração de posse eles deveriam ser arrancados do terreno a todo custo, sem nenhum valor.

LH.


A REINTEGRAÇÃO DE POSSE II – DÚVIDA CRUEL



Acho que dá pra fazer uma pergunta, pelo menos, uma reflexão: por que não tiraram o pessoal antes das eleições?

1)Porque o voto do pobre vale a mesma a coisa. Vale um - igual a gol feio. O povo é a maioria. Mas é sempre levado na palma da mão – se engana e é enganado. Às vezes dá uns golpes de malandro pra comer.

Às vezes manipula, quase sempre é manipulado. Massa de manobra. Sem cara, o povo são os outros. Penso feio, desdentado. Mas vota sem muito querer. Eu também. Porque é uma obrigação fundamental pra continuar este jogo.

Orientação política - Perguntei sobre a orientação política e a moradora Patrícia Patrício me contou que “passavam ali pedindo pra votar no Beto Richa” Quem pedia? Os próprios moradores. Hum. Outro Morador Edson Luiz da Conceição arriscou dizer que ali foram “três mil votos pro Beto”. Em contrapartida, um dos caminhoneiros me disse que quando “estourou” um barraco saiu voando um monte de santinhos da Gleisi Hofman, candidata do PT a prefeitura de Curitiba.

Nosso cinegrafista André Domingues, que inclusive é militante do PT, esteve na ocupação antes das eleições e me garantiu que não ficava claro pra quem era o apoio político das pessoas da ocupação. “Não tinha bandeira, nada”. Alias pra ele o negócio estava “estranho” até porque não tinha vamos dizer assim “uma liderança, uma organização”. Nenhum Juvenal Antena que fosse.

Descobrimos que lá tinha uma ONG, a União da Moradia Popular, cadastrando as pessoas. E também ouvi sobre três advogados, não sei se agiam juntos, que pediram documentos e 100 reais por família pra tentar regularizar a situação. Ouvi também que a turma, no fervo de quinta-feira, saiu correndo pra pegar um advogado. Mas não pude confirmar.

Não dá pra simplesmente dizer que este pessoal é massa de manobra e/ou que só tinha gente rica ali. Tinha gente rica ali. Tinha traficante. Tinha gente que não precisava. Alias muito terreno foi vendido. Mas é verdade também que muitos não tinham onde morar. Eis a questão: estavam ali ocupando aquela terra.

NOSSAS DIFICULDADES
A cada dia que passa fica mais difícil o trabalho do jornalista. Todo mundo sabe de tudo! É muito fácil a gente bancar o idiota. Mesmo porque você escuta cada coisa, inclusive nomes soltos pra te manipular. É informação de todo lado, por exemplo, se fossemos na conversa do povo “morreu um bebê pisoteado, um cara fuzilado e jogado no riozinho, um bêbado queimado” e por aí vai. A mulher da SAMU confirmou o atendimento a quatro pessoas. Um policial mais calmo me disse que tudo correu bem.

HISTÓRIA E CONSTRUÇÃO DO DESTINO
Nos fundos da ocupação vimos alicerces de uma construção da época de 1998. Descobri que naquele pedaço estava morando (por mais uma vez) a família Patrício. Mais uma vez por quê?! Segundo Patrícia Patrício e alguns irmãos presentes ali, o avô deles, Antonio Patrício do Santos, morou por quarenta anos naquele mesmo pedaçinho de terra. Até que em 1998 foi retirado por jagunços, teve sua casa queimada e teve de abandonar o terreno – um pedaçinho lá nos fundos da ocupação. Dois anos depois o velho Antônio morreu de desgosto.

A família Patrício garante que nada será feito no terreno desocupado porque ele está todo enrolado, impostos e mais. Outros ocupantes acham que daqui um ano ali será um condomínio de luxo - e que eles só foram deixados até aquele momento pra limpar e desmatar o terreno: poupando algumas multas e preocupações pra imobiliária.

Ahh, um cara, que não quis se identificar, me mandou (com toda sinceridade) perguntar se eles vão ser “ressarcidos pelo trabalho de limpar o terreno e cortar árvores?”. Disse pra ele que “não, nem a pau Juvenal” e pra ele tomar cuidado porque um cara lá na rua até falou assim pro nosso cinegrafista, André Domingues, (que filmava a mão de uma menina que o cachorro mordeu); “você fica filmando as pessoas né!? vai filmar as árvores que elas derrubaram!”.

Está certo que Curitiba já foi capital ecológica. Mas o cidadão que mandou o André filmar as árvores não deve saber que Curitiba agora é a “Capital Social”.

OUTRAS HISTÓRIAS



Já no começo, ainda no asfalto, ouvi um negro alto falando da história de uma bêbado folgado que passava bem perto do pelotão da RONE, que vinha com cachorro e tudo, quando levou uma mordida na bunda e acabou pendurado na boca do cachorro. Foi exagerado. O mesmo cara mostrava um vergão nas costas que, segundo ele, eram estilhaços de bomba ou de bala, sei lá.



Depois conheci o cara do cachorro. Descobri que ele perdeu “uma geladeira e três quilos de pinga”. Os amigos ainda o recriminavam por ter matado o cachorro com a mordida. Como dizem seria cômico, se não fosse trágico.

Quem quiser conhecer esta e outras figuras é só ir lá na rua Rua João Dembinski s/nº.

pub. dia 27/10/2008 por Leandro Hammerschmidt e equipe: Bianca H., Rodrigo Choinski e André Luiz Domingues

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