terça-feira, 8 de novembro de 2011

AVENTURA EXPRESSA


pub. dia 13/11/2008 por  Thalita Uba - uba_thali@yahoo.com.br

“Eu não gosto de carros alaranjados”. Olho para o lado, desconfiada. “Como ela sabe que eu pensava a mesma coisa?”. Logo me acalmo. É natural que usuários de ônibus, na falta de ter o que fazer durante suas longas jornadas de sacolejos e xingamentos ao motorista, divaguem sobre o mundo que passa pelas janelas.

A amiga, contudo, não concorda. Até acha “bonitinho”. Acho engraçado como a conversa engrena. “Mas e se tu entra num carro desses pensando que é um táxi? Daí “pá”, dá de cara com um ‘cara nada a ver’?”. Preocupante, de fato.

Andar de ônibus tem apenas dois lados divertidos (fora aquele de salvar o meio ambiente): acabar de ler livros muito mais rapidamente e analisar o comportamento humano. O segundo, confesso, sempre me fascinou. Gosto de prestar atenção em conversas, feições e expressões; avaliar como pensam, decifrar como são. Às vezes me decepciono, às vezes me surpreendo. Geralmente aprendo alguma coisa. E sempre, sempre me divirto.

“Ah, mas eu fiquei com medo, viu? Vai que é um ladrão”. Violência urbana: o assunto favorito do pessoal que já passou dos 60. Essa senhora tem cara de quem passa o dia inteiro assistindo a telejornais, só pra rever todas as notícias ruins mais uma vez. Ela é bem arrumada, mas não se compara à velhinha sentada dois bancos à frente. Cabelos no melhor estilo “capacete” e sombra verde-bandeira pra combinar com o xale de franjas. Deve ser viúva. Dessas que, depois que o marido morreu, resolvem aproveitar a vida: viajar, comprar roupas caras e jogar baralho com as amigas todas as quintas-feiras.

Sempre me pergunto como algumas pessoas possuem o talento de acabarem com a própria aparência. Esse moço que está de pé na minha frente, por exemplo. Não é de se jogar fora. Mas por que, meu Deus, essas roupas rasgadas, o cabelo imundo e esses colares ridículos? Ele toca violão. Tem unhas compridas em uma mão e curtas na outra. E é canhoto, visto que as unhas compridas são as da mão esquerda. Quem sabe se eu o levar a um pet-shop eles não conseguem consertá-lo?

“Eu nunca mais quero ouvir falar em matemática”. Eu também não queria, mocinha. Por isso virei jornalista. Mas olha, você ainda tem tempo de corrigir esse erro terrível. Vá ser engenheira, vá. Seus pais e sua carteira de trabalho agradecerão. “Não, ‘coxambrar’ é tirar férias”. “Coxambrar?”. “É, tipo, fazer nada”. Coxambrar. Interessante. Penso em virar pra trás e dizer: “Ah, eu adoro verbos bizarros. Tipo ‘defenestrar’, conhece?”.

“Moça, como eu faço pra chegar na Rui Barbosa?”. Pô, interrompeu minha conversa aqui. “Você pode descer ali no Estação e pegar o outro expresso, que tem um tubo lá na Rui Barbosa”. “Expresso?”. “É”. “…”. “Expresso. Ônibus. Vermelho. Tipo esse”. “Ah, tá! Brigada”. Levo alguns segundos pra entender.

Lição do dia: não chamar “ônibus” de “expresso” pra quem não é de Curitiba.

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