terça-feira, 8 de novembro de 2011

UM DIA DE ÔNIBUS

Esta crônica “Um dia de ônibus” do Humberto chegou a mim antes da crônica “Aventura expressa” da Thalita; como o amigo leitor poderá notar elas são parecidas (em termos). Mas não foi por isso que não as publiquei antes, segurei as duas porque o Jornal TiraGosto não publicava crônicas. Acontece que hoje (dia 13/11) decidimos publicar as coisas boas que nos mandam, pra que não morram na gaveta. Afinal nosso jornal serve pra amplificar! Mas como publicar uma e deixar a outra de lado? ou pior, publicar uma agora e outra depois. Pra escapar disso decidimos publicá-las ao mesmo tempo, e, se por um lado perdemos em efeito, por outro ganhamos em pontos de vista.

Um dia de ônibus

Sexta Feira, manhã amena e ensolarada em Curitiba. O tempo está extremamente seco. Fui à biblioteca pública no centro devolver um livro. Acabei pegando mais dois. Tenho escolhido os livros meio ao acaso, me fazem companhia a noite. Procurei pelo John Reed, mas não o encontrei. Era em outro andar e não me dei ao trabalho de procurar. Sem paciência, me dirigi à seção de literatura Russa. Já tinha lido a maioria dos livros ali, e nenhum em parecia interessante. Achei um Tolstoi. “Cadáver vivo” é o nome do livro. É a historia de um casal, na qual o marido alcoólatra simula o próprio suicídio. O Interessante é que Tolstoi não permitiu que essa peça fosse encenada por se tratar de um caso real (informações de contracapa). Russos, sempre vivendo tragédias.

Certo, acho que isso vai me entediar. Na dúvida é melhor pegar outro livro. Fui para a seção de literatura inglesa. Lá encontrei Oscar Wilde, e um livro com seus melhores contos. Parecia interessante, apesar de eu não ter lido quase nada dele. Li apenas seus aforismos e achei legal. Porém, mais ao lado estava Charles Dickens. Dele sim, nunca havia lido nada. Peguei o livro “Retratos Londrinos”, que é uma série de artigos do escritor. Algo que, segundo a contracapa, “é uma espécie de ante-sala para a obra que viria a seguir.” Certo, estou satisfeito, voltar pra casa agora.

Quase onze e meia. Fico feliz que o ônibus não demorou mais do que cinco minutos para aparecer. Embarco e sento logo atrás da cobradora. O ônibus segue até o próximo ponto e para. Aproveito para pegar o livro do Dickens e escolho no capítulo “Personagens”, o artigo “Os Decadentes”. Antes de terminar a primeira página um bêbado chega do meu lado e diz:

– O que você está lendo? Não respondo e apenas mostro a capa do livro na tentativa de me livrar logo daquele incômodo. Ele diz, dando um tapinha no meu ombro.

– Você é inteligente rapaz. Ok, eu disse. Felizmente ele não resolveu sentar do meu lado. Tentei continuar a leitura, mas foi impossível. O sujeito exalava cachaça e ficava dizendo.
– Eu sou eternamente curitibano, eu sou eternamente curitibano. O incômodo estava instalado. Ali do meu lado. A cobradora, uma mulher meio gorda e forte o repreendeu.–Senta aí, você vai cair. Senta aí! Até parece que ele obedeceu, de tão bêbado que estava queria mais é se comunicar. Sabe como os bêbados podem ser inconvenientes. Então ele veio do meu lado de novo e disse.
–Você é inteligente rapaz, você vai educar as futuras gerações. Se esse idiota soubesse que estou desempregado e minha sorte não anda a das melhores ele não diria isso. Se bem que, se ele soubesse mesmo, seria pior. Era bem capaz dele querer me dar conselhos, e isso obviamente seria muito pior. Nessas situações é sempre melhor ficar em silêncio. Dar corda é o pior que se pode fazer. O bêbado então foi repreendido novamente pela cobradora.
–Senta aí, você vai cair. Senta aí!Você vai descer no próximo ponto não é? Ele continuou falando

– Eu sou eternamente curitibano, eu sou eternamente curitibano… Ta entendendo meu irmão? Graças à cobradora ele desceu um ponto antes do que ele realmente deveria. Também, bêbado, ele nem sabia onde estava direito.

Depois que ele desceu, a cobradora ficou comentando com o motorista o estado de embriaguez do passageiro. Não voltei à leitura, perdi a vontade de ler naquele momento. Voltei para casa e escrevi esse texto. Quis dividir a minha sorte com vocês. Quem não se lembra do cara que aparecia no ônibus dizendo: “Eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, mas não. Estou apenas pedindo uma pequena colaboração pra vocês”. E daquele que dizia “Eu sou portador do vírus HIV, infelizmente, devido ao preconceito não consigo arrumar emprego, e estou aqui pedindo uma pequena colaboração a vocês. Pode ser um real, cinco centavos, o que vocês derem. Deus abençoe”. Aí, quem dava dinheiro ganhava um “deus abençoe”, quem não dava ficava sem a benção. Nunca dei nada pra esse sujeito, mas via ele regularmente. Nunca me comoveu. Quem não se lembra? Quem não se lembra? Coisas que o pessoal que anda só de carro provavelmente nunca ouviu falar. Mais um dia de ônibus.
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