quarta-feira, 26 de outubro de 2011

NÃO DÁ MESMO PRA AGRADAR A TODOS

José Saramago tinha medo que seu livro caísse em mãos erradas, mas gostou da adaptação do “Ensaio Sobre a Cegueira” feita por Fernando Meirelles, o diretor de Cidade de Deus



pub. dia 03/10/2008 por Leandro Hammerschmidt

Agora quem não gostou nada do “Blindness” foi a Federação de Cegos dos EUA que pede boicote ao filme.

Sinceramente não era pra tanto, está certo que o filme é beeem forçado em algumas partes, por exemplo: 1) o machucado que necrosa a perna do cara 2) a cena que as mulheres marcham pro estupro e os maridos nada fazem. Poxa o cara do outro lado só tinha uma arma (um cego com revólver é pouco), não dá pra acreditar, nem mesmo em filme – está bem, pode me dizer que era uma metáfora. Aqui preciso confessar que não gosto muito das parábolas do Saramago, sei que ele é uma boa pessoa e até já troquei duas palavras com ele quando veio a Curitiba.

Mas para Marc Maurer, presidente da Federação Dos Cegos dos EUA “mostrar os cegos nas telas americanas um pouco melhor do que animais reforçará temores infundados e os estereótipos do grande público sobre a cegueira”. Saramago certamente não tinha esta intenção com o livro “Ensaio Sobre A Cegueira”. Creio que Fernando Meirelles também não tinha intenção de reforçar estereótipos negativos. Não mesmo, só pela cara de preocupação do Meirelles em agradar o Saramago já dá pra sentir o cuidado que ele teve pra fazer este filme. Sei lá se a Federação de Cegos Americana não esta pegando no pé ao sugerir o boicote. Se bem que polêmica pode trazer público. E lá dentro da sala de exibição é outra história, como disse Meirelles (no bate-papo do UOL) a pessoa que “vá pela sua cabeça, veja o filme e tire suas conclusões”.

No final esta polêmica vai trazer público, eu sou um: só escrevi por causa da confusão. E outra, não tenho certeza se teria tanta reclamação caso o filme fosse mais apelativo e descuidado (tipo um Resident Evil, com cegos-zumbis e tudo). Mas não é justo acusar o Meirelles, ele foi pelo caminho do Saramago. Tanto que a história é forçada em algumas partes – justamente por ser uma parábola.


O filme tem cenas emocionantes, trágicas e até engraçadas; os personagens têm defeitos e qualidades, no elenco gente nova e bonita + Juliane Moore e Glover. Sem falar nos efeitos de som, fotografia e até das legendas. Posso dizer que o filme tem alguma coisinha brasileira, mas não muito. Aliás, este filme até parece produção Hollywoodiana, mas na verdade é uma produção Brasil-Canadá-Japão; distribuído pala Miramax, rodado em Sampa, Canadá, Japão e no Uruguai se não me engano. Bem interessante envolver orientais: abre um mercado enorme, veja Lost e até o Manchester United conta com um Korean e Chinese em seu time.

Mas este coisa de juntar gente e grana de todo lado tem lado bom e lado ruim. Sei lá, parece bobeira, mas penso que se o diretor não tem personalidade forte ele perde o filme por causa da grana. Mas isto não depende da nacionalidade ou dos produtores. Depende da estima do cara. E Meirelles está bem!

Mas sinceramente gosto mais dos docs brasileiros que dos últimos filmes. Um legal foi o “dois filhos” co-produção da Globo filmes-Conspiração-ZCL-tristrar, mas coisa sertaneja no Brasil é sucesso garantido! Daniel Filho ficou cheião com as bilheteiras da Globo Filmes. E cinema é pra mala mesmo. Glauber Rocha foi respeitado dentro e fora do país levando a coisa (com ou sem lógica nas cenas e montagens) sem perder a liberdade. E a mala. Os caras de hoje se preocupam demais com o profissionalismo, com técnicas e parecem que tem medo de aparecer. Muita humildade faz mal pro artista, ninguém deveriam perder o orgulho, senão abre pra tudo. Imagino que numa produção a La Hollywood fica difícil ter liberdade (pra se enforcar até), visto que se alguém investe é pra ter retorno. Até dá pra conciliar. Chato é quando só a grana interessa, não tem vaidade, malice, onda, nem nada.

É difícil agradar a todos. Mas o momento é favorável (”ou o mundo se brasilifica”). A nossa universalidade é natural, é característica, mas acho que não precisamos perder a malice (a), a ironia, o brasileiro, os bandidos, aranhas e o histórico de chanchadas em nome de uma produção e distribuição da americana. Agora que chega mais uma vez “a nossa vez” (o que é Alice Braga?) devemos abusar! Veja comigo: se os europeus cansaram dos filmes de arte a ponto de dar o Urso de Ouro pro Tropa de Elite do José Padilha (que é um filmasso de ação pra passar na tela-quente, mas que não é nada de sociologia do crime como quiseram entender uns por aí) é porque alguma coisa mudou. O Urso veio porque os europeus não quiseram e não querem dar o braço a torcer pra Hollywood, mas também querem mudar; e por isso cabe premiar um filme de fora que tira ondinha com narrativa americana.


Liberdade pra inventar, criar e montar. A produção independente cresce. Os Docs do Brasil estão na ponta, tem uns até que sabem caçar prêmios. Mas quando se trata de cinemão fica difícil reinventar a roda, existe uma tradição de narrativa americana e vai bem. Só morreu a voz dos trailers estes dias. Mas o mundo inteiro usa aquela manha do Slash (de começar a música com um riff matador) e o não Blindness não seria diferente: começa a mil por hora, assim como o Tropa de Elite naquele tiroteio inicial. Ainda bem que em alguma parte o filme dos diretores brasileiros amolece e daí abre espaço pras sentimentalidades (nossa herança lusitana); o vilão e o mocinho se diluem. Aparecem mais as coisas humanas (em contraposição aos fetiches), os sentimentos, as contradições, coragens, fraquezas, a graça, a sexualidade e a malandragem do cego ladrão que apalpa os seios da Alice Braga na fila indiana.

Meirelles você é um bicão! Fique tranqüilo, você já agradou o Saramago, ganhou seu troco, fez um filme branco e legal. Nem esquente, pois os cegos americanos nem vão perder emprego nem nada. Pra falar a verdade acho que nem verão o filme (que piada infame). E se reclamaram, creio que foi motivado pelo título Blindness (Cegueira), que não é sutil como um Ensaio sobre a cegueira (puro conceitual ismo). Mas você também é publicitário e sabe o que faz. Deixa os caras reclamarem, como você disse “ou ama ou odeia o filme”. Continua nessa, com o Tropa deu certo.

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p.s. esta confusão me fez lembrar Turistas - um exploited passado no Brazil, onde turistas acabam assaltados, drogados e vítimas de uma quadrilha de órgãos, no melhor estilo lenda urbana. Mas quem viu Turistas? Quem deixou de visitar o Rio de Janeiro, tomar caipirinha e desfrutar das nossas delícias depois de assistir Turistas? Ninguém. Foi só fumaça.

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Um comentário:

  1. Thalita Uba Says:
    outubro 3rd, 2008 at 3:27 pm

    Pois é, eu tinha lido sobre esse absurdo da Federação dos Cegos.
    O melhor é que o filme, eles não querem quem ninguém veja. Mas o livro, a fonte de toda trama cinematográfica, não tem problema :P

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    humberto Says:
    outubro 5th, 2008 at 4:26 am

    é..o que posso dizer?…federação de cegos de cu é rola

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    Mattoso Says:
    outubro 10th, 2008 at 12:26 am

    Bom o texto… sinceridade a todo o vapor. Sempre bom.

    abs

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