quinta-feira, 27 de outubro de 2011

HOJE É DIA DE LONGAS CRÍTICAS EXPOSITIVAS

pub. dia 17/10/2008 por Cid Monteiro - Curtos ou Longos

Estava eu na recepção do consultório, aguardando minha vez, quando abro a Veja e leio um interessante texto do Millôr sobre automobilismo e os dias atuais. Me chamou a atenção a posição do autor acerca da tecnologia e o artificialismo que algumas coisas, como as corridas, passaram a ter atualmente em função de tanto avanço.

Na tevê, ele diz que o piloto limita-se a “um pedaço de capacete visto por trás, que pode ser de qualquer um”. Ao vivo, “apenas bólidos de brinquedo passando”, e que é uma tela que mostra, em “numerinhos eletrônicos”, quem está a frente.


Paciência. De fato, a modernidade tem nos tirado os grandes sabores da vida. Bandas, por exemplo, põem ruídos em suas faixas para reproduzirem o nostálgico característico som do vinil. Na lanchonete, não adianta pedir “capricha!” porque o andróide que está servindo cumpre ordens e todos os molhos e ingredientes seguem rígidas padronizações globais que não permitem que a quantidade da batata ou o peso do sanduíche possam ser alterados, e nem que a casquinha possa vir com uma volta a mais. E a indústria anda tão ética que, para não prejudicar o seu consumidor aumentando o preço de seus produtos, diminui o conteúdo das embalagens.

Faz tempo, na verdade, que queria escrever esse texto e compartilhar com você, companheiro leitor, um pouco das indagações cotidianas que vêm me afligindo. Fiz uma espécie de pesquisa (que resumiu-se a anotar fatos observados num velho caderninho durante alguns meses) na qual enumerei uma série de fatos atuais que me chocam ou, no mínimo, intrigam meu bom-senso, e fazem-me ver o quanto os valores mundanos estão completamente invertidos.

Já que falei de indústria, comecemos por uma água de côco curiosa que me foi dada como brinde numa dessas feiras e exposições de shopping. Ela vinha em caixinha (até aí ainda vai, pois vivemos no mundo dos sucos e das coisas em caixinha, já me acostumei), mas essa era filtrada e destilada! Não é fantástico? Impossível resistir e ficar sem tomá-la depois de ler isso. Na verdade, é o mínimo que se espera, hoje, de uma água de côco em caixinha e antenada com as últimas tendências. Fica mais divertido pensar na gama de opções existentes quando você oferece cerveja para um amigo e ele responde “não, obrigado, prefiro destilados”.

Mas digo que isso não é nada perto do que li agora, enquanto escrevia. Fui até o Deus Google e digitei “água de côco destilada” (procurando mais embasamento para o meu texto). O que encontrei? “CE desenvolve água-de-coco em pó”. Melhor que isso só quando dei de cara, há alguns anos, com a notícia do lançamento do ovo sem colesterol (e também em pó)! O pioneiro leite em pó já é banal.

Continuando, até onde lembro, o fio-dental, por exemplo, propunha-se a remover resíduos entre os dentes. E quando é ele que, depois de duas passadas, desfia e prende entre os dentes, incomodando mais do que o pedaço de carne que já estava lá? O que pensar da camisinha aprovada pelo Inmetro que, mesmo depois de submetida a rígidos testes de resistência e elasticidade, é colocada corretamente e rompe-se? Nada demais. Ela só serviria para evitar a gravidez e a transmissão de doenças sérias.

Acontece. Não dá para “levar tudo a ferro e fogo”. Tudo isso é possível (e comum já) num mundo onde universidades e instituições promovem cursos de Gestão de Pessoas (adoro esse termo: “gestão”! Simplesmente se enquadra em qualquer coisa que você queira, experimente!); onde você põe na MTV e, o dia todo, passa qualquer coisa menos música (o nome dela deveria ser ATV - Anything Television); onde a promoção da rádio consiste no ouvinte mandar para lá o horário em que ouviu a última da Britney Spears e quantas “cacarejadas” (é esse o termo usado) ela deu durante a música; onde a mesma rádio, em seu programa de tevê, sujeita mulheres esculturais de biquíni a comer pedaços cozidos de sola de sapato (usado) para ver qual delas tem mais disposição (e mais silicone no cérebro).

Melhor que isso é trocar de canal e ver o telejornal nacional dizendo que as bolsas de Nova Iorque estão na pior crise desde a quebra em 1929 (e com isso o dólar, ao invés de desvalorizar, fica mais caro - nunca vou entender), que o aumento da inflação anual do Real não cessa, que por aqui já estão importando água, e ver imagens de pessoas passando fome nas ruas e sertões d’um país tropical, de terras extremamente férteis e com tradição agrícola como o nosso. É preferível esperar terminar o bloco da economia e ver no próximo que São Paulo registrou engarrafamento recorde mais uma vez e que, no entanto, 800 novos carros entram em circulação em suas ruas diariamente.


Obs.: Falando em carros, capitalismo e compulsividade consumista, tem coisa mais avançada do que em meados do ano corrente você já poder comprar um carro do ano seguinte?

“Faz parte”, como já dizia um dos participantes do programa Big Brother Brasil (por que não escrevem logo Brasil com Z duma vez, se é pra usar estrangeirismos?). Nesse mesmo programa, que bate recordes de audiência todo ano e já se encaminha para a 9ª edição (creio sermos o país a ter ido mais longe com essa brincadeira), os fiéis telespectadores devem ligar para números de telefone iniciados por 0300 para votar em quem deve sair no “paredão”. Incrível! Pra que ganhar dinheiro só com a audiência, patrocínio e publicidade (dentre outros) se também dá para explorar os alienados que querem ligar e participar desse circo? Afinal, liga quem quer (lembre-se que até certa edição do programa todas as linhas para este fim eram 0800 - mas isso também era no tempo em que o interesse de que a pessoa assistisse o BBB, e participasse, era da emissora).

E se a tevê pode abusar, por que não, os bancos e outros números de suporte? É só observar quantos serviços ainda têm números de atendimento gratuitos à disposição do cliente. E pior, há ainda uma nova categoria nesta modalidade; quando não são os 0300 que substituem os 0800, surgem os 4004. Eles são os novos “dígitos mágicos” (porém não menos taxados). E o mais cômico de tudo é, sem dúvida, os tele-atendimentos que possuem duas opções diferenciadas: as iniciadas por 4004, para capitais e regiões metropolitanas, e por 0800 para o restante. Faz sentido! Quem pode dar-se o luxo de morar numa capital, ou próximo a ela, tem mais dinheiro e tem que pagar mais.

Justo. Mas nem só de absurdos é feito o mundo, e o país. Existem leis também para salvaguardar as pessoas e assegurar seus direitos. Por exemplo, eleitores (não disse todos, somente eleitores, ou seja, obrigatoriamente aqueles com 18 anos ou mais - ou quem já pode ser preso, como preferir) não podem ser detidos no período compreendido dos 5 dias que antecedem as eleições aos 2 que a seguem (salvo em flagrante delito, ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável ou por desrespeito a salvo-conduto. Ufa!). Quem foi esperto aproveitou essa semaninha de folga para exercer a cidadania e, livre, aplicar atos de democracia pelas ruas. Muito bem!

Semanas antes, na minha recente ida a europa, entrei numa daquelas grandes lojas de música, livros e filmes em Amsterdam. Procurei os cds do Pearl Jam, procurei, e não conseguia achar. Até que resolvi pedir ajuda a uma funcionária, que disse: “temos sim, mas não ficam aqui (na seção de rock), é n’outro andar, na seção ‘pop’”. E lá fui eu, desolado, e sem mais tesão de ver o preço. No caminho, uma surpresa boa: o filme Central do Brasil, e em promoção! Sempre bom ver o que é nosso cruzando fronteiras e barreiras. Mas, como dizem, “alegria de pobre dura pouco” e descobri que seu título internacional em inglês é Central Station - afinal Brasil é totalmente suprimível nesse caso. Diria até que é apenas um mero detalhe, um enfeite no título, que por acaso origina-se do nome próprio da estação verdadeira, onde se passa o filme, na cidade do Rio de Janeiro.


E falando em música e cinema, lembrei de shows (categoria na qual enquadram-se peças, danças, espetáculos musicais, etc) que, hoje em dia, têm a venda dos seus ingressos atrelada a uma curiosa prática. Dispondo de duas tarifas, inteira e meia, a venda desta última é feita geralmente para estudantes, maiores de 65 anos e para aqueles que levem 1kg de alimento no dia do evento. Vai dizer que não é no mínimo engraçado colocar tão distintos e amplos públicos na mesma categoria? E o mais cômico dessa história ainda está por vir: a tarifa integral é oferecida por um preço astronômico (e que ninguém paga!), e a “meia entrada” torna-se mais acessível a um preço mascarado e fantasioso. O que ninguém parece notar é que todos estão simplesmente pagando o preço da inteira, pois a “meia”, verdadeira, já deixou de existir há muito. E me pergunto se sobra ainda algum direito ao aposentado e ao estudante, que passam a ser tratados como qualquer assalariado (ou não) portando um saco de comida - que vai pra onde no fim das contas?

É chato admitir que o mundo moderno, aliás, mundo contemporâneo (se a Idade Moderna já findou-se, deve ser falado mundo contemporâneo, que é mais moderno), está perdendo a graça. Mas parece que não há como ver as coisas de outro jeito quando passo numa banca de jornal e dou de cara com a capa d’uma daquelas revistas femininas, com o título “Orgasmo: garanta já o seu”. Está à venda? Ninguém me avisou…


Certo mesmo estava Millôr, que terminou aquele seu artigo (ao qual me referi no começo) dizendo: “Hoje morar em Viracopos, debaixo da ponte aérea, é mais radical do que pilotar uma Ferrari.

E uma disputa de skate também é muito mais perigosa, portanto mais emocionante, do que qualquer Fórmula 1. Esteticamente, então, nem se fala. E skate você também vê com os próprios olhos, não precisa de eletrônica pra dizer quem foi o melhor.”

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3 comentários:

  1. Jackson Sardá Says:
    outubro 15th, 2008 at 11:31 am

    Cacá Cid Monteiro! Como Vai, meu Caro?… OK… texto abrangente… falando sobre vários assuntos… em relação ao PEARL JAM, como assim, os CD´s não estavam em ROCK??… Pelo menos, tinha alguma raridade, ou algum CD mais mocado do PJ?… sobre o “Central Station”… normal, Cara. Eu estava em Israel e lá eles também conheciam esse filme por esse nome. Bom, eu não sou tão patriota assim, então não fiquei puto. Até porque os verdadeiros amantes da Sétima Arte acabam descobrindo que o filme é brasileiro, e muitos deles apreciam as películas tupiniquins. Lance de tradução de nomes de filmes é assim mesmo. Vários filmes americanos tem traduções esdrúxulas por aqui… O lance do “meio-ingresso” realmente é um “samba do crioulo-doido”… hahaha… OK, muito bom vê-lo por aqui. Aquele Abraço! Jackson Sardá. 15/10/2008.

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  2. Cid Monteiro Says:
    outubro 17th, 2008 at 7:18 am

    Grande Jackson, de volta a pátria (nem tão amada assim, pelo visto)! Poisé, o lance do Pearl Jam, vai entender né? Creio que músicas como Last Kiss fazem coisas como essa acontecerem com as bandas de rock, meu caro. Mas não vi nada demais deles por lá não (e nem em conta tb).

    Valeu pela leitura e pelo comentário meu amigo. Fica de olho lá no meu blog tb, sempre tem coisa nova. Abração!

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  3. Morris Kboing Says:
    outubro 18th, 2011 at 12:41 pm edit

    VC certamente faz o tema parecer tao facil com a sua apresentacao. Parece muito complexo e muito amplo para mim.

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