terça-feira, 8 de novembro de 2011

UMA VIAGEM POR BA BA BA BA BABY

pub. dia 03/11/2008 por Ayrton Baptista Junior

Quando Baba se apresentou aos meus ouvidos, logo troquei de estação e fui à cata de outra música que me caísse melhor.

Mas se fugi do refrão “Baba, Baby”, a batida da música, que eu sequer ouvira inteira, grudou na memória. E tanto ficou que, ao chegar em casa à noite, imediatamente a procurei no rádio. E foi assim um dia, outro dia, mais um dia. Já estava quase a pedindo no ar. Não tencionava “analisá-la”. Queria apenas ouvir a música pelo mesmo motivo que ouço outras melodias: simplesmente para ouvir música.

Nas primeiras destas audições, creditava o meu interesse por Kelly Key à uma história pouco comum nas letras da MPB: a da mulher que festeja esnobar o homem pelo qual se apaixonara tempos atrás. Na música brasileira, é difícil para uma mulher dispensar o homem pelo qual sofreu.

Em Olhos nos Olhos, de Chico Buarque, por exemplo, a mulher afirma: “Quantos homens me amaram bem mais e melhor que você”, mas, logo adiante, nega a certeza de que não querer mais vê-lo: “A casa é sempre sua, venha sim”.

Não se trata, claro, de comparar Andinho, o letrista de Baba, com um dos maiores compositores brasileiros — e tampouco de afirmar a letra de Baba como avalista de alguma poesia. Apenas constato que as mulheres se comportavam diferente
em outras letras. Mas, ainda sobre Andinho, é bom atentar para o moço que coloca em Anjo, outra da moça, duas frases magníficas
“É de pedra a porta do seu coração”
e
“Te venerar é minha sina”.

Era, porém, a batida primitiva da música, e não a letra, que me conquistava. Assim como em Cabeça, de Walter Franco, e em alguns trabalhos de Arrigo Barnabé parecia não haver música em Baba. O som que parece o de uma caixa de madeira, numa primeira escuta, soa tão limitado que parece não ter nada ali. Mas tem. Baba é o buraco da agulha pelo qual passa um camelo.

Certa noite, uma ouvinte pediu Kelly Key e eu gravei Baba para ouvir a rodo. Uma, duas, dez vezes seguidas. Aos poucos, comecei a escutar a música por partes. A garota é uma ótima intérprete. Em Baba, a mesma história é contada três vezes. Na primeira, a voz é mais agressiva e na segunda, mais afirmativa. Na terceira, Kelly Key leva a música adiante como se comandasse uma bateria de escola de samba no instante em que há a “paradinha”. Neste ponto, Baba revela ser filha dileta do samba do breque. Esta linhagem, o falar carioca do samba, não é a única ascendência de Baba, que também alia rock industrial, marcha e modinha.

Baba
me retornou à memória formas geométricas (quadrados, retângulos) de pinturas em branco-e-preto que esnobei — e continuo a esnobar. Kelly Key também me fez compreender melhor, intuitivamente, um “olhar” matemático-formal sobre arte — experiência semelhante tive no cinema com O Ano Passado em Marienbad, de Alain Resnais. Não acabou: lembrei do vermelho nas pinturas de Arcangelo Ianelli e dos feixes brancos sobre fundos escuros dos filmes de Man Ray —aqui, um fascínio pré-Kelly Key.

Imaginei o refrão
BA
BA
BA
BA
BABY
Ou
BABA
BABA
BA
BABY
escrito e achei uma insólita citação ao jogo de palavras que mais se vale da geometria e que mais atrai os matemáticos: a poesia concreta (da qual, aviso, não sou fã).

Defendo as citações (claro que não pensadas) do canto de Kelly Key (ou seja, obra dela) à modinha em “istoépravocêaprenderanuncamaismeesnobar”
(lalalalalalalalalalalalalalalalalalalalaalalalala),

e ao samba de breque em
“que só quer me iludir/me enganar/isso é caô”
(não bisada em seqüência)
“que só quer me iludir/me enganar/isso é caô”.
Friso também as duas alusões ao samba de enredo, quando tem início a terceira narração da história:
“ôô”
(paradinha, quando se ouve um suposto estalar de prato de bateria);
“ ‘ce não acreditou/
você sequer notou/
disse que eu era mui-to-nova-pra-você”
(seguido de dois toques que lembram o bumbo reiniciando a marcha).

O que a aproxima da música atonal é a sua batida, aparentemente despida de melodia (para percebê-la, tente driblar a voz da cantora).

O retângulo vem por
“BABA/BABA”
e o quadrado, da base rítmica, cujo acorde sempre se fecha, não restando nada “em aberto”.

Por vezes, achei que tornara muito cerebral o que poderia não ser mais do que um brinquedo de adolescentes. O mais curioso, porém, é o fato de Kelly Key não me ter empurrado para a música pop, mas para a música clássica. Depois de ouvir Baba várias vezes, tive o desejo, o impulso (sei lá o porquê) de ouvir Wagner, Mozart e Mahler e outros compositores que sequer estavam entre os meus preferidos. Coloquei a abertura de Tannhäuser para escutar. Ouvi várias vezes e me atirei em outros clássicos com uma volúpia que há muito não tinha para o gênero — alguns CDs já adormeciam numa velha caixa de sapatos.

Óbvio que a intenção de Andinho, DJ Cuca e de Kelly Key (os criadores) não foi a de fazer uma música com tantas possibilidades. Pois, fizeram! Baba é um caso em que o sistema aparece à frente da margem.

Uma canção que costura aspectos do que se chamou de vanguarda no século passado (música atonal) com a música carioca — seja a de “raiz” ou a nova música urbana — não apenas deve ser catalogada como Música
Popular Brasileira como também é capaz de alimentar aos que buscam, desesperadamente, renová-la. A melodia do trecho corrido “Isto-é-pra-você-aprender-a-nunca-mais-me-esnobar”, por exemplo, evoca Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga.

Alguém ainda irá discorrer sobre as propriedades geométricas desta “singela” canção adolescente. Só lamento que Baba não tenha tocado no rádio nos anos 80, época em que reprovei duas vezes. Ambas em geometria.
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ROCKNROLLA - A GRANDE ROUBADA



pub. dia 31/10/2008 por
Thalita Uba - uba_thali@yahoo.com.br

Destaque hoje pra estréia de Rocknrolla, o novo filme do ex Sr. Madonna, Guy Ritchie. O diretor, que ganhou notoriedade após Jogos, trapaças e dois canos fumegantes (1998) e Snatch (2000) - que conta, aliás, com brilhante atuação de Brad Pitt -, segue com sucesso no rumo dos filmes de ação (gênero esse que, cá entre nós, parece ser o único que consegue despertar o excelente cineasta que existe em Ritchie).

O filme conta a história de criminosos londrinos que caem num golpe criado por um magnata russo. Logo após as negociações iniciais, as coisas começam a dar errado tanto para os ingleses quanto para os russos e a confusão é generalizada. Diversos tipos de criminosos acabam se envolvendo e, depois de muitos tiros e pancadaria, tudo se resolve da forma mais condizente possível: com bastante violência.

Muita ação, socos e sangue orquestrados por uma excelente trilha sonora traçam um roteiro quase impecável, com ótimas pitadas de humor. Menção mais que honrosa também para a atuação de todo o elenco e, naturalmente, para o diretor, que soube, mais uma vez, conduzir seu próprio submundo do crime com maestria.

Altamente recomendado para quem gosta de filmes agitados e barulhentos.

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A REINTEGRAÇÃO DE POSSE



Dia 23 de outubro de 2008 a polícia militar do Paraná foi cumprir uma ordem de reintegração de posse num terreno da Rua João Dembinski, no bairro Fazendinha. A ocupação do terreno foi feita no último feriado de sete de setembro, durou 45 dias, juntou mais de mil famílias e parecia “um zoológico aos domingos”.

Mesmo sem saber que o Secretário de Segurança do Estado, Luis Fernando Delazari, costuma convidar a imprensa pra acompanhar reintegrações de posse, a equipe do Jornal TiraGosto foi lá e conversou com algumas pessoas durante a operação.



Chegamos lá pelas nove da manhã, por trás da ocupação, um pouco antes de um grupo da RONE – a polícia ostensiva, grupo que deu uns tiros de borracha pro ar e logo saiu. Depois da saída da RONE um policial militar bigodudo tranqüilizou o pessoal falando assim: “oh, pode ir lá retirar as coisas agora”. Descobri que a partir daquele momento os ocupantes do terreno tinham até às 14 horas pra arrumar sua mudança e sair do lugar.

O pessoal ainda não sabia que algumas dezenas de caminhões tinham sido contratados pelo dono do terreno para levar os colchões, madeiras, tv´s, pias e máquinas de lavar daquele povo. Mas esta informação não ficou clara, pelo menos para os moradores da região onde estávamos (na parte de trás da ocupação). Talvez esta incerteza, misturada à raiva e orgulho, tenha feito a maioria das pessoas juntarem suas tralhas e meterem fogo nos barracos. Alguns policiais militares mais prestativos tomavam também a iniciativa e metiam fogo ajudando a desocupar mais rápido a área. Alias, nunca tinha visto tanta polícia reunida na minha vida antes, quase mil policiais.

Servir e proteger - Sebastião da Veiga, um pai de família, e seu filho de 17 anos levaram umas cacetadas de um grupo de PM’s porque falaram pra eles “não queimarem a casa da senhora” que ali não estava. Mas a polícia não gosta de conversar em serviço e bateu em Sebastião, no seu filho (que entrou no meio) e ainda tentou agredir sua mulher. Além do braço enrolando na toalha verde, o orgulho de Sebastião também ficou ferido. “Nem do meu pai eu apanhei quando era criança pra chegar um filha da puta me bater”. Quando vi seu braço machucado e também machucada as costas do seu menino pensei “que merda tudo isto! No fundo os policiais são iguais a gente e nem se dão conta quando vestem a farda”

Pra você faz sentido passar por cima das pessoas por causa de terra? Pra mim não. Ainda mais se tratando de terras de um grupo que (não sei se ainda) tem a maior fazenda do mundo. Mas não posso culpar o grupo CR Almeida pelo sistema que permite acumular muitas terras e propriedades e riquezas em poucas mãos. E nem culpo os policias militares por estarem cumprindo uma obrigação.



O resultado da reintegração de posse teve uma repercussão negativa na imprensa, principalmente para a polícia militar do Paraná: dois comandantes foram afastados dos seus cargos pelo secretário Delazari e isto gerou revolta nos policiais. Afinal eles estavam cumprindo ordens. E “a Lei é montada é de maneira que garanta a ordem. Não tem a ver com justiça, nem nada. E, se for necessário usar violência pra manter a ordem: azar de quem acorda fora da lei”. Então paciência.

Fora pequenas coisas como “pequenas” agressões. Não vi a polícia cometendo tantos abusos de poder nesta reintegração - tomando como parâmetro histórias sobre ditaduras e outras polícias. Na verdade, acho que a polícia é um retrato da sua sociedade. “dê poder ao homem que ele se revela”. E aqui foi triste perceber que da Carta de declaração dos direitos humanos o artigo 17 “o direito a propriedade” continua sendo o mais respeitado.



Ver a polícia marchando pra cima de mulheres e crianças é uma tristeza. Os valores morais da gente são destruídos quando um homem vira máquina incapaz de conversar. A parte social nem se fala quando se opõe a interesses econômicos e políticos. É a tal ética política, administrativa. Mas vou te contar: é triste ver um homem deixar de ser cavalheiro e partir pra cima de mulheres. Um homem deixar de ser pai ao descuidar do filho dos outros.



Repito: não saiu tanta gente ferida desta operação, até onde sei nenhuma morte confirmada, a violência física não foi o maior problema. O terrível pra mim foi constatar que o Estado (a estrutura voando a 0,5 cm da terra) é contra o povo. Então, compreendo a revolta dos policiais militares que levaram a culpa na história – por causa da represália da imprensa e do próprio Secretario Delazari que afastou os comandantes da operação.

Todo mundo chutou a polícia, mas ninguém contestou o lugar sagrado da propriedade privada. Assim, a parte operacional foi super valorizado, pra apagar a questão econômica, social e política que fez tudo mudar rapidamente. É só lembrar que há poucas semanas o voto de cada uma daquelas pessoas valia a mesma coisa, e foram assediados. Agora na reintegração de posse eles deveriam ser arrancados do terreno a todo custo, sem nenhum valor.

LH.


A REINTEGRAÇÃO DE POSSE II – DÚVIDA CRUEL



Acho que dá pra fazer uma pergunta, pelo menos, uma reflexão: por que não tiraram o pessoal antes das eleições?

1)Porque o voto do pobre vale a mesma a coisa. Vale um - igual a gol feio. O povo é a maioria. Mas é sempre levado na palma da mão – se engana e é enganado. Às vezes dá uns golpes de malandro pra comer.

Às vezes manipula, quase sempre é manipulado. Massa de manobra. Sem cara, o povo são os outros. Penso feio, desdentado. Mas vota sem muito querer. Eu também. Porque é uma obrigação fundamental pra continuar este jogo.

Orientação política - Perguntei sobre a orientação política e a moradora Patrícia Patrício me contou que “passavam ali pedindo pra votar no Beto Richa” Quem pedia? Os próprios moradores. Hum. Outro Morador Edson Luiz da Conceição arriscou dizer que ali foram “três mil votos pro Beto”. Em contrapartida, um dos caminhoneiros me disse que quando “estourou” um barraco saiu voando um monte de santinhos da Gleisi Hofman, candidata do PT a prefeitura de Curitiba.

Nosso cinegrafista André Domingues, que inclusive é militante do PT, esteve na ocupação antes das eleições e me garantiu que não ficava claro pra quem era o apoio político das pessoas da ocupação. “Não tinha bandeira, nada”. Alias pra ele o negócio estava “estranho” até porque não tinha vamos dizer assim “uma liderança, uma organização”. Nenhum Juvenal Antena que fosse.

Descobrimos que lá tinha uma ONG, a União da Moradia Popular, cadastrando as pessoas. E também ouvi sobre três advogados, não sei se agiam juntos, que pediram documentos e 100 reais por família pra tentar regularizar a situação. Ouvi também que a turma, no fervo de quinta-feira, saiu correndo pra pegar um advogado. Mas não pude confirmar.

Não dá pra simplesmente dizer que este pessoal é massa de manobra e/ou que só tinha gente rica ali. Tinha gente rica ali. Tinha traficante. Tinha gente que não precisava. Alias muito terreno foi vendido. Mas é verdade também que muitos não tinham onde morar. Eis a questão: estavam ali ocupando aquela terra.

NOSSAS DIFICULDADES
A cada dia que passa fica mais difícil o trabalho do jornalista. Todo mundo sabe de tudo! É muito fácil a gente bancar o idiota. Mesmo porque você escuta cada coisa, inclusive nomes soltos pra te manipular. É informação de todo lado, por exemplo, se fossemos na conversa do povo “morreu um bebê pisoteado, um cara fuzilado e jogado no riozinho, um bêbado queimado” e por aí vai. A mulher da SAMU confirmou o atendimento a quatro pessoas. Um policial mais calmo me disse que tudo correu bem.

HISTÓRIA E CONSTRUÇÃO DO DESTINO
Nos fundos da ocupação vimos alicerces de uma construção da época de 1998. Descobri que naquele pedaço estava morando (por mais uma vez) a família Patrício. Mais uma vez por quê?! Segundo Patrícia Patrício e alguns irmãos presentes ali, o avô deles, Antonio Patrício do Santos, morou por quarenta anos naquele mesmo pedaçinho de terra. Até que em 1998 foi retirado por jagunços, teve sua casa queimada e teve de abandonar o terreno – um pedaçinho lá nos fundos da ocupação. Dois anos depois o velho Antônio morreu de desgosto.

A família Patrício garante que nada será feito no terreno desocupado porque ele está todo enrolado, impostos e mais. Outros ocupantes acham que daqui um ano ali será um condomínio de luxo - e que eles só foram deixados até aquele momento pra limpar e desmatar o terreno: poupando algumas multas e preocupações pra imobiliária.

Ahh, um cara, que não quis se identificar, me mandou (com toda sinceridade) perguntar se eles vão ser “ressarcidos pelo trabalho de limpar o terreno e cortar árvores?”. Disse pra ele que “não, nem a pau Juvenal” e pra ele tomar cuidado porque um cara lá na rua até falou assim pro nosso cinegrafista, André Domingues, (que filmava a mão de uma menina que o cachorro mordeu); “você fica filmando as pessoas né!? vai filmar as árvores que elas derrubaram!”.

Está certo que Curitiba já foi capital ecológica. Mas o cidadão que mandou o André filmar as árvores não deve saber que Curitiba agora é a “Capital Social”.

OUTRAS HISTÓRIAS



Já no começo, ainda no asfalto, ouvi um negro alto falando da história de uma bêbado folgado que passava bem perto do pelotão da RONE, que vinha com cachorro e tudo, quando levou uma mordida na bunda e acabou pendurado na boca do cachorro. Foi exagerado. O mesmo cara mostrava um vergão nas costas que, segundo ele, eram estilhaços de bomba ou de bala, sei lá.



Depois conheci o cara do cachorro. Descobri que ele perdeu “uma geladeira e três quilos de pinga”. Os amigos ainda o recriminavam por ter matado o cachorro com a mordida. Como dizem seria cômico, se não fosse trágico.

Quem quiser conhecer esta e outras figuras é só ir lá na rua Rua João Dembinski s/nº.

pub. dia 27/10/2008 por Leandro Hammerschmidt e equipe: Bianca H., Rodrigo Choinski e André Luiz Domingues

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ÚLTIMA PARADA 174


pub dia 26/10/2011 por Thalita Uba - uba_thali@yahoo.com

Candidato brasileiro à nominação do Oscar chega às telas hoje

Cansativo. É a primeira palavra que me vem à cabeça quando penso em Última parada 174, o filme brasileiro escolhido para concorrer à nominação do Oscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira. O filme, muito esperado por grande parte do público cinéfilo, não consegue superar as expectativas de quem o assiste e me faz questionar sua escolha para prêmio tão importante.


O filme, baseado no documentário Ônibus 174, de José Padilha, traz uma das histórias mais acompanhadas pela população no ano 2000: o seqüestro de um ônibus no Rio de Janeiro – episódio assistido por milhares de pessoas em tempo real pela televisão.

Bruno Barreto (diretor de O que é isso, companheiro?) retrata toda trajetória de Sandro do Nascimento (interpretado por Michel Gomes), um menino que perdeu a mãe ainda pequeno, morta por ladrões. Embora acolhido pela tia, Sandro foge e passa a viver nas ruas, onde logo se envolve com drogas e conhece sua primeira namorada, Soninha (Gabriela Luiz). É também nas ruas que Sandro ganha o apelido de “Ale”, dada sua semelhança com Alessandro (Marcello Melo Jr.), um garoto da Candelária que fora tirado ainda bebê dos braços da mãe Marisa (Cris Vianna) pelo traficante Meleca (Rafael Logan), que o criou como se fosse seu filho. Em determinado momento do filme, as histórias de Sandro e Ale se cruzam e passam, de certa forma, a ser interdependentes. Marisa, que procurava seu filho desde a morte de Meleca, acaba encontrando Sandro e pensa que ele é seu filho. Após muitos conflitos e crimes, a história acaba com o trágico desfecho acompanhado pelos brasileiros em 12 de junho de 2000 – Sandro, após ter seqüestrado um ônibus no Rio de Janeiro, é morto pela polícia.

O filme se utiliza da famosa fórmula “‘preto-pobre-favelado-violento’ mais emoção”, que parece, infelizmente, ainda imperar no cinema brasileiro. É, sim, um filme bastante impressionante, muito bem produzido, com uma bela direção de arte e um excelente uso dos planos de câmera (com um belo abuso de closes e planos detalhe). A atuação também não deixa a desejar (apesar de, na minha singela opinião, não chegar a ser excepcional) e a fotografia agrada.



Contudo, não sei se é por estar cansada da “fórmula” ou por realmente não ter sido surpreendida em momento algum pelo filme, não creio que Última parada 174 mereça a indicação que lhe foi conferida. É, como eu disse, um filme cansativo; algumas cenas se demoram mais do que o necessário (especialmente a cena do seqüestro do ônibus) e roteiro por vezes segue alguns caminhos um tanto estranhos. Além disso, a sensação de “‘Pô’, mais um filme desses?” é inevitável. A “fórmula”, além de batida, já não surpreende mais e chega muitas vezes (como pude comprovar ao conversar com diversos colegas jornalistas, cineastas e intelectuais) a irritar o público, que (ainda) espera que o Brasil consiga vender uma imagem menos suja, baixa e vil que a que insistimos em expor.

Se a “fórmula” conseguirá convencer o júri responsável por escolher os indicados ao Oscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira eu não sei. É, naturalmente, possível. Mas até lá, continuo a combatê-la. E pelo que tenho ouvido, sua reputação não anda muito em alta. Um a zero pra mim. Pelo menos por enquanto.

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sábado, 5 de novembro de 2011

FUTEBOL CONTRA CRACK


pub. em agosto de 2007 por Leandro Hammerschmidt

Quem chega a canchinha de futebol de areia da Rua Nabal Guimarães Barreto na esquina com a Rua José Michna Filho, no bairro Orleans, normalmente se senta e pede próxima. Todos os dias o “couro come” na pelada entre crianças, adolescentes, profissionais liberais e desempregados.

A partir das cinco da tarde só fica a criançada, e quem assume o comando é o Pastor Eliseu Nogueira que - longe de ser santo -, ensina toda malícia do futebol. Mas também cobra disciplina e comprometimento dos pequenos. Pode parecer só uma piazadinha jogando bola, mas a canchinha é bem mais que isso, ela é opção pra gastar o tempo num bairro sem muitas opções.

O bairro Orleans, uma estreita faixa na periferia de Curitiba, é considerado area de risco social: muita gente desocupada, a beira da marginalidade. Segundo o morador Ramiro Pereira de Lima, 36, fazem mais de dez anos que o bairro estava sem uma area de lazer. A última (o campo da Mapin) virou um condomínio de luxo, daqueles que tem de monte no São Braz.

Para montar essa escolinha com o Pastor, a prefeitura cedeu algumas bolas, rede e coletes. Um pequeno investimento que começa a dar resultados: no último final de semana os meninos tiraram 2º lugar num campeonato da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer. Mas nada comparado a opção de vida que o esporte representa e capacidade de envolver que o jogo tem. De acordo com o professor Eliseu um menino “vai puxando o outro para o esporte”. E neste corrente já somam 20.


Enquanto esperava para ver um “jogaço” entre Vila Real e Gabineto, valendo 20 reais, Luciane Costa conta que pretende colocar seu filho Braian, de sete anos, na escolinha “para ele não ficar maloquiando na rua”.

Há dois anos o irmão de Luciane levou 16 tiros no peito, e dizem que foi por conta de uma dívida com traficantes.  Huck, como era conhecido o rapaz pelo seu porte físico, sobreviveu por milagre, porém permanece vegetando na cama. “Minha mãe deixa esse pessoal que usa droga ir lá ver ele pra ver o que acontece” diz Luciane.

O Crack - O consumo de droga não é diferente no Orleans, a droga está por toda Curitiba e por todo o país. Não quero julgar, nem arrotar nada, porque até já fumei a pedra e senti a boa sensação de ficar suave. Não faço apologia à droga, mas também não desprezo seu poder. Só que é triste demais ver um amigo de infância passar o dia inteiro catando papel pra fumar duas, três pedras por dia. E isso é mais motivo pra ser contra o crack.

Este é meu relato mais bobo, falando que esporte desenvolve e tals. Mas queria que vocês soubessem como uma canchinha de futebol, que custa quase nada, pode fazer bem as crianças, adolescentes e adultos do Orleans.

Se o amigo leitor quiser conferir, basta chegar lá e fazer próxima. E, se optar por jogar descalço, pode saber que vai acabar trocando seu chinelo. No entra-e-sai do jogo um acaba pegando o chinelo do outro, às vezes por engano, mas quase sempre por malícia mesmo. Só nesse mês, troquei três havaianas lá. A última estava presa com prego... da próxima vez quero ver se pego uma melhorzinha.

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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

FALAS AO ACASO


pub dia 23/10/2011 por JobaTridente - jobatridente@hotmail.com

Dia 16 de outubro eu e Marcos Saboia fomos apresentar o filme CORTEJO no Instituto de Educação do Paraná, aqui em Curitiba. No debate, uma professora questionou a veracidade dos Documentários. Marcos disse que Documentário também é cinema. Ou seja, nem tudo é o que realmente parece ser. Em meio a reconstituição ou não de fatos me peguei falando do que é e do que parece ser em Clarita, o incômodo documentário de Thereza Jessouroun, um dos curtas apresentados no 3º Festival do Paraná de Cinema Brasileiro Latino, que traz a premiada atuação da grande atriz Laura Cardoso. Nele a diretora nos desvela a sua mãe Clarita, portadora da Doença Alzheimer.

Longe de Clarita
Clarita está com Alzheimer. Laura não. Laura não é Clarita. Laura está Clarita. Está mais que Clarita. Clarita está longe, onde não se chega são. Laura quer nos levar onde Clarita está. Mas não alcançamos nem uma e nem a outra. Clarita, perdida em si mesma, não se traduz. Laura interpretando Clarita nos apavora, gela. Laura é a ficção do real. Clarita é real. Em Laura o Alzheimer parece teatro. Em Clarita não.

Clarita, de Thereza Jessouroun, é um filme denso. Tenso. Porém, te alcança, tangencia, mas não toca como devia. Como se espera. Como se deseja. Em Clarita há o real e o que quer parecer real. Mas não é! Provocando no expectador um estranho refluxo sentimental de entrega e afastamento. Por que a ficção nos toca mais que a realidade?

No seu Almanakito, a jornalista Maria do Rosário, que esteve com a cineasta após o debate, diz que: Numa conversa que tivemos depois, Thereza fez críticas ao filme canadense, Longe Dela (Sarah Polley), que eu amo. Disse que o que se vê ali é romantizado perto do que sofre uma pessoa, vítima de Alzheimer. Me deu informações que eu não tinha. Mas, mesmo assim, continuo amando o filme canadense.”

Eu também gostei demais de Longe Dela, de Sarah Polley, e indiquei o filme pra amigos. Longe Dela fala do mesmo assunto, Alzheimer mas retrata os diversos estágios da doença de uma forma mais delicada, sutil, numa outra cadência. Mais ao gosto do expectador? Longe Dela não é o contrário de Clarita, apenas diferente no olhar e no envolvimento das diretoras e no tempo de reflexão oferecido a cada expectador. Enquanto Sarah Polley trabalha com a ficção, baseando-se no conto The Bear Came Over The Mountain, de Alice Munro, Thereza Jessouroun, trabalha com uma história real, na pessoa viva da mãe, dentro da própria casa. Talvez por isso um envolvimento mais emocional e menos distanciado com Clarita

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E PRÓSPERO ANO NOVO

“Feliz Natal” faz sucesso no Festival de Cinema do Paraná


pub. dia 21/10/2008  por  Thalita Uba -
uba_thali@yahoo.com.br

Desde que dirigir filmes passou a ser “moda” dentre os atores brasileiros, cada vez que um ator consagrado resolve se aventurar, o filme passa a ser comentado antes mesmo de estrear. É o caso de “Feliz Natal”, o primeiro longa-metragem dirigido por Selton Mello, exibido no 3° Festival de Cinema do Paraná.

Selton Mello, que concedeu à imprensa uma entrevista coletiva no dia 11, disse que a idéia do filme surgiu do fato de que ele e seu pai, Dalton Natal de Mello, fazem aniversário durante o período natalino (ele no dia 30 de dezembro e seu pai, no dia de Natal). “Não é um filme sobre mim, sobre a minha vida. Mas é baseado em fatos que aconteceram comigo, há algo da minha história nele”, revelou. O filme conta a história de Caio, um quarentão que vive no interior e na véspera de Natal, pega sua mochila e vai à capital rever seus parentes e amigos. Após diversos conflitos e reflexões, Caio acaba reencontrando alguém que ele não via há tempos: ele próprio.

Segundo o diretor, a intenção era fazer um filme que precisasse da inteligência dos espectadores para ser compreendido. “Pretendo ser um diretor parecido com o que sou como ator: quero fazer coisas distintas”, disse. Sua idéia é fazer com que o público se identifique com o filme se emocione com ele. No caso de “Feliz Natal”, Selton Mello esperava que as pessoas partilhassem do sentimento de melancolia e “obrigação” que o Natal traz a ele próprio: “O interessante é fazer filmes ‘sobre gente’. Afinal, o artista nada mais é que um grande ladrão que observa tudo e transforma em arte”.

Quando indagado sobre as dificuldades em rodar “Feliz Natal”, Selton Mello disse que se trata de “um filme muito denso feito de maneira muito leve”. “É o diretor quem dita o clima no set e eu sou uma pessoa muito calma. Fazer esse filme foi um prazer imenso”, confessou. Para ele, a exibição é a parte mais problemática. Mello vê com bons olhos a parceria entre cinema e televisão mas gostaria de ver mais filmes nacionais passando nos canais abertos: “Seria como entregar ao povo a oportunidade que os artistas tiveram com as leis de incentivo à cultura”.

“Feliz Natal” angariou cinco prêmios no Festival (Melhor Som, Melhor Trilha Sonora, Melhor Atriz Coadjuvante, Prêmio Especial do Júri e Prêmio Araucária de outro 2008) e conquistou também o público – fato esse comprovado pelo prêmio Araucária de ouro, que contabiliza os votos do júri popular. Selton Mello credita o sucesso do filme ao fato de talvez estar vivendo “o momento mais feliz de sua vida”. “E quando se é sincero, essa verdade impregnada chega ao público e contagia todo mundo”, completou.

O filme tem estréia prevista para o dia 21 de novembro.

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