sexta-feira, 18 de maio de 2012

TRINTA E OITO RAZÕES


A chuva já o ensopava, começou com uma garoa e agora a água escorre por dentro de seu rego, causando um grande desconforto. Mantém-se firme, sentado no meio-fio a bem uma hora, seu alvo é óbvio, a casa de alvenaria a sua frente. Casa de gente branca e gorda, daquela aparente felicidade, que até irrita.

As luzes das janelas da fachada estão acesas, conhece muito bem, à sua esquerda, a sala, um sofá, uma tevê com defeito em um hack, uma mesa de jantar e uma velha cristaleira que contrasta com os outros móveis, à direita, o quarto, uma cama de casal, um guarda roupa e uma tevê nova, comprada à prestação.

Bem se vê que as duas tevês estão ligadas e de certo que o moleque Alessandro está fazendo alguma manha e logo irá dormir. Sua mãe vai ajeitá-lo na cama, vai desligar a luz do quarto e baixar o volume da tevê. Depois vai abrir a porta e se inclinando sem sair do quarto vai dizer com um sorriso no rosto ?to indo dormir, vocês fiquem a vontade, mas olha lá hein?. Ele embaraçado faria uma piada, ela riria muito e iria finalmente se deitar e a noite estava livre para os dois, no sofá.

N Ã O! Ele não está no sofá, ele está no meio fio, ensopado, e olha a casa atentamente, talvez outro em seu lugar, ao lado dela, tocando sua pele macia e branca. Estremece, pega sua velha mochila, abre e confere o trinta e oito enrolado numa sacola de mercado, um cuidado para não molhar. Colocou bala por bala, seis balas, ainda agora, de tarde. ?Que horas são??. Pega o celular, não funciona, encharcado.

Olha de novo, um segundo e a luz do lado direito já apagada. Fecha a mochila, se levanta agitado, dá dois passos, pára, a outra luz se apaga. Alívio, ela foi dormir.

Avança rápido, cuida para que ninguém o veja, chega à beira da grade, estica-se para a casa vizinha, volta. Encoberto pelos arbustos que vez ou outra ele próprio podava junto à menina, pula o portão. Atravessa o quintal de ponta a outra, trepa no muro, tenta alcançar algo, volta. Traz com cuidado algo na mão esquerda, de canhoto, tenta proteger mas a chuva é forte, pensa que de um jeito ou de outro terá seu efeito.


Já é hora e está decidido, avança, passa pela lateral da casa, vai até a janela da menina, uma tênue luz azul indica que o abajur está aceso. Encosta-se na parede, o beiral dá uma trégua à chuva, aproveita para respirar um pouco. É agora ou nunca…


***
Às três horas da manhã, do dia 25 de Fevereiro de 2007, deu entrada no Vigésimo Segundo DP de Curitiba, Cláudio Osnir da Silva, 18 anos, por assalto a mão armada. Jornais popularescos noticiaram sem muito destaque a tentativa de assalto à casa de um rico empresário, cujo nome não foi revelado. Nada disseram da vida de Cláudio nem o que pretendia fazer com o dinheiro. Na matéria uma foto dele, a cabeça coberta com a camiseta e um policial fazendo pose com uma metralhadora, no texto a série diária de adjetivos, sempre condenando sumariamente.
Lançada outra edição quem se lembraria do garoto? Assim, perdido entre tantos outros iguais…


***
Às nove da manhã Mariana não demorou a reconhecer de quem era o presente em sua janela. A flor podia ser roubada e estar judiada da chuva, mas foi a mais singela surpresa que teve em seus dezesseis anos de vida e quem sabe se não, pela vida toda. O certo é que ela não esqueceria.

Rodrigo Choinski 13/09/2007 às 15:30h

pub. dia 29/03/2009 por Rodrigo Choinski - alternativistas-1@yahoo.com.br

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