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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

ANDRÉ CARVALHO, O “PULGA”, POR ELE MESMO


Meio complicado escrever sobre você mesmo, né? Taí a questão: não tenho a mínima idéia do que escrever sobre mim. Bom, posso pelo menos dizer que nasci em Curitiba, tenho um casamento estável – eu cozinho ela lava, se eu cozinho eu não lavo. Sim, uso piadas velhas sem ressentimento algum! Recentemente me mudei pro fim do mundo… Alice Springs - Austrália. E mais recentemente ainda adquiri uma estranha habilidade de conversar com cangurus. Meus amigos acham que estou ficando maluco… Mas eu sempre falo que eles deveriam escutar o que os cangurus dizem. Eles iam ver só quem é maluco!

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UMA NOVENA EM ALTO MAR

Meses de preparação com entrevistas e cursos resultaram em nove dias de uma experiência em um navio de passageiros na costa brasileira em 2008



pub. dia 28/12/2008 por
Gladson Fabian - fabianjournalsociety@yahoo.com.br

Em meados de julho tomei conhecimento de oportunidades de trabalho em navios na costa brasileira, em anúncios colocados em um jornal de Curitiba. Fui até o local indicado e assisti uma palestra sobre vida a bordo, com uma agência de contratação de tripulantes e a promessa de conhecer vários lugares no mundo e um salário promissor seduziram-me a tentar uma vaga no processo seletivo da empresa.

A referida agência trabalha com três companhias marítimas, todas espanholas, com vários navios fazendo a costa do Brasil. Como eu tenho um bom domínio da língua inglesa, optei por fazer para uma companhia que exigia essa língua para trabalhar para eles.

A empresa paga salários em dólares aqui no Brasil e em euros na Europa, exceção entre as empresas, pois a maioria paga todos os contratos em dólares, aqui ou fora do país.

Após entrevistas com o senhor Nuno, um português diretor da companhia, fiquei sabendo que a posição de printer que eu gostaria de trabalhar precisaria de espanhol fluente, com domínio de escrita para trabalhar. O printer ou publisher é o profissional que edita o jornal de bordo, distribuído diariamente aos passageiros, com toda a programação do navio, coisa fácil mas depois percebi que cargos de maior confiança não são dados a iniciantes.

Fui então selecionado em outra posição em que tenho experiência, security guard, pois trabalhei durante 15 meses no Banco Central em Curitiba. Acontece que todos os crews (tripulantes) que atuam nessa área são de países asiáticos, exceto é claro, o chief (chefe), um espanhol chamado José Maria. E os asiáticos demoram a deixar seus postos e abrir vagas para sul-americanos.

Após a aprovação começa o calvário dos documentos. Um série de papéis são exigidos para o embarque (veja box), exames médicos, passaporte e um curso especialista ministrado por capitães-de-fragata, realizado fora de Curitiba.

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Paraíba do sul é a próxima parada

Dia 19 de outubro de 2008, domingo. Saímos em dois ônibus de Curitiba, com aspirantes a crews de várias partes do sul do país. Depois de 15 horas de ônibus, chegamos a cidade de Paraíba do Sul, Rio de Janeiro, situada no interior do estado carioca. Interior? Sim, o curso de salvamento no mar, ironicamente, é realizado no interior do estado, com autorização da capitania dos portos do Rio de Janeiro. Os proprietários da empresa que ministra o curso são dois capitães da marinha, pessoas de fácil convivência e muito conhecimento. Passamos os dois dias seguintes com palestras sobre nomenclaturas usadas a bordo de navios, conhecimentos de primeiros-socorros e outros assuntos necessários para quem quer subir em um navio.

No terceiro dia fomos a um clube da cidade, onde teríamos a parte prática do que ouvimos, com treinamentos com bombeiros e uma enfermeira e práticas de uso do salva-vidas e bote, em uma piscina olímpica.

No treino com os bombeiros aprendemos como utilizar os extintores, para que serve cada um deles, com as enfermeiras tivemos lições de primeiros-socorros, salvamento de pessoas e atendimentos iniciais até a chegada de um profissional da área de saúde. E com os capitães tivemos que pular de uma prancha a três metros da piscina, com colete salva-vidas, emergir, nadar até um bote no meio da piscina, subir nele e saltar do outro lado e nada até a margem da piscina do lado oposto da prancha. Posso dizer que todos os que fizeram o teste saltaram, mesmo aqueles que têm medo de altura ou de saltar em lugares profundos, como eu.

Fim do curso, comemoração, festa de despedida, assinatura no certificado e muita alegria e cansaço no retorno a Curitiba, com mais 15 horas de ônibus.

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A espera e o embarque

Do dia do retorno a Curitiba até receber a noticia do embarque foram 45 dias de espera angustiante. Dia oito de dezembro soube a noticia pela minha agente que eles precisavam de assistants waiter (assistentes de garçom) para o maior navio ancorado na costa brasileira, um navio espanhol com administração portuguesa.

Animado com a possibilidade de embarque imediato, mesmo fora de minha posição, aceitei o cargo sem nenhuma experiência da profissão. Primeiro erro.

Após ir até a agência buscar minha carta de embarque, arrumei as malas e na quarta-feira à noite fui com minha namorada até a rodoviária para a dolorosa despedida. Choro e tristeza, mas empolgação pela possibilidade de novas experiências e um bom dinheiro, seis horas de ônibus até Santos, e eu estava pronto para o embarque. Ledo engano. Chegamos lá por volta das cinco e meia da manhã, eu e mais sete marinheiros de primeira viagem, prontos para o embarque. Aqui começava nossa espera. Após pegar um táxi até o terminal de embarque de passageiros no porto de Santos, ficamos esperando oito horas para embarcar no navio, devido a desorganização que é o embarque dos tripulantes.

O terminal abriu suas portas para o embarque por volta das oito e meia da manhã, mas tivemos de aguardar por horas em pé para passar pelos detectores de metal, pela conferência dos documentos na polícia federal até chegar a porta do navio. Um fato estranho ocorre minutos antes de entrarmos no navio: três jovens passam por nós, com malas e expressões de felicidade, gritando como loucos que finalmente estavam livres do navio. Diziam que aquilo não era vida e que finalmente estavam fora.. Um aviso?

Bem, deixamos a preocupação de lado e entramos no navio da companhia espanhola, onde tivemos que passar por um novo processo de preenchimento de formulários. Mais papéis, assinaturas isentando a empresa de qualquer problema, muito estranho.

Nossos exames médicos, que tanto exigiram de nós, se eu quisesse nem teria apresentado pois ninguém nos levou até o médico quando entramos no barco. Fomos levados até o roupeiro do navio, chamado Francis, um asiático que falava um inglês arrastado e de pouca compreensão. Primeiro problema: não havia roupas de trabalho para todos nós. Consegui completar meu uniforme cinco dias depois de embarcar, outra guria que chegou de Porto Alegre conseguiu uma calça com número duas vezes maior, outro ainda teve problemas com o blazer, assim como eu.

Mesmo assim fomos trabalhar. Acontece que antes disso, precisávamos de cabines, mas o navio havia chegado de Recife com problemas. Várias cabines estavam alagadas, devido a problemas no sistema hidráulico que se encarrega de esgotar os vasos sanitários.

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A novela das cabines começa


Cinco de nós encontraram problemas com cabines e fomos temporariamente colocados em cabines de passageiros. Apesar do problema, ficamos felizes em ter um local confortável para descansar, então pegamos nossas malas e fomos direto para essas cabines.

Existe uma proibição aos tripulantes em circular pelas áreas destinadas aos passageiros, mas no nosso caso isso não funcionaria, pois precisávamos passar por elas para chegar as nossas cabines, que ficavam no interior do navio. Ainda deslumbrados com os 12 decks (assim são chamados os andares dentro da embarcação) do navio, fomos tomar banho e descansar, após um rápido passeio pelas dependências para situarmo-nos de onde estávamos.

Muitas leis dentro do navio não são tão estritas, e entre elas está essa de se mover por áreas de acesso restrito, pois todos os dias haviam comportas fechadas, o que nos obrigava a atravessar áreas de passageiros para chegar aos locais de trabalho.


No dia seguinte, após perceber que não arrumariam logo uma cabine para mim, e que se eu deixasse nas mãos deles acabaria em um quarto com filipinos ou alguém com cultura muito diversa da nossa, descobri a primeira malandragem que é necessário para sobreviver dentro de um local assim. Fui até a crew purser, uma espécie de secretária que é responsável pelos documentos do pessoal, uma asiática arrogante mas de pouca habilidade em perceber quando estão agilizando as coisas por conta própria, passei a ela os documentos necessários e dei o número da cabine onde estava um recém chegado que tenho a felicidade de chamar amigo, chamado Davi. Tinham dado a ele uma cabine para dois, mas ele estava sozinho e, graças a já referida desorganização, nem eles sabiam quantos haviam em cada cabine. Com o documento e o número da cabine, consegui meu crew pass, um cartão de acesso a cabine e acesso para fora do navio quando estivesse de folga.

Resolvido o problema da cabine, já descansado começa o trabalho. Primeiro dia, dezesseis horas de trabalho, com algumas horas de intervalo, mas como tínhamos de atravessar o navio de ponta a ponta (minha cabine ficava no deck 01, o trabalho no deck 12 ou no deck 04), gastávamos pelo menos dez minutos para atravessar o navio, às vezes mais do que isso pela demora nos elevadores. Começava a perceber algumas coisas.

Devo registrar aqui que, de minha parte não houve treinamentos para a função, nem perguntas sobre minha experiência na função, mas todas as noites tivemos de ouvir chamadas dos portugueses a respeito das falhas nos trabalhos. Felizmente, tive a oportunidade de trabalhar com um grande waiter, chamado Vitor Córdoba, colombiano com vários contratos de trabalho, que ensinou tudo com muita paciência e esmero.

Em uma ocasião, vi um amigo ser humilhado pelo português responsável pelos contratos por não saber todos os pratos que havia na cozinha. Acontece que o rapaz havia entrado comigo no navio, não deixaram ele ter acesso aos pratos e queriam que ele soubesse todos os pratos que havia no cardápio!

Aqui vale uma ressalva: Mister Sérgio, responsável pelo setor foi uma exceção entre os nossos chefes. Educado, competente e comunicativo, sempre foi acessível na medida do possível. Outros nem tanto.
Mas voltemos as cabines. O esperado é que elas sejam pouco espaçosas e isso se confirmou. Uma TV antiga com quatro canais de filmes sem legenda nos levava um pouco de distração, camas razoáveis (sugiro que se for embarcar, que leve travesseiros) e toalhas e roupas de cama são fornecidas aos crews, mas para lavar o uniforme e essas roupas do navio cada setor tem dias e horários específicos na lavanderia. A vantagem é que esse material é lavado por eles e o crew precisa se preocupar apenas com as roupas pessoais. Para essas, há duas alternativas: ou lava-se nas máquinas disponíveis na lavanderia (nem cuecas secam no banheiro da cabine!) ou se paga para um filipino fazer isso. O preço varia de acordo com a cara do cliente, entre 20 e 40 dólares. Pechinche sempre.

O banheiro das cabines é uma história à parte. Acontece que o navio tem 20 anos de uso e foi restaurado para uso esse ano, e com isso vieram problemas de infra-estrutura. Desde o primeiro dia que entrei na minha cabine, até o dia de minha saída, o vaso nunca funcionou. Pior, a água subiu e transbordou no banheiro, deixando um cheiro terrível. Foram cinco pedidos de manutenção, no último ouvimos de um dos portugueses que não poderia fazer nada e que nós não éramos prioridade. Acontece que a merda já estava saindo pelos lados.

Durante os dois dias que viajamos de Santos a Salvador, trabalhamos feitos loucos, pois o navio ficou todo esse tempo em alto mar. E duas centenas de banheiros de passageiros mais outros não sei quantos de tripulantes estavam com o mesmo problema do nosso banheiro. Vasos transbordaram nos carpetes, ralos de chuveiro entupiram e muitas reclamações foram feitas. Uma promessa de que o problema seria sanado e o navio de luxo sairia de Salvador em perfeitas condições foi dada aos passageiros, que desceram a passeio em Salvador pela manhã e voltaram a tarde com os mesmos problemas em suas cabines. Muitos trocaram de cabines, mas quase duzentos passageiros e alguns crews desceram em Salvador, revoltados com as condições da luxuosa embarcação. A vigilância sanitária entrou no navio, a polícia federal também, mas assim mesmo o navio partiu com os problemas que chegou. Outro fato estranho.


Durante a viagem, passageiros revoltados com as condições do navio buscaram agredir o capitão no saguão do deck principal, sendo impedidos pelos seguranças. A viagem segue tensa..

Mais explicações, muitos boatos e apenas uma certeza: eles ainda não sabiam o que fazer com o sistema hidráulico das cabines. Ao passar pelos corredores inferiores, sente-se o cheiro de água podre, mas ninguém diz nada. Meus pés, que como de todos os assistant e waiters tem bolhas, tem que pisar em chão sujo no banheiro para tomar os banhos necessários.

Ao chegar na bela cidade de Ilhéus, tenho duas horas de folga e decido tentar chegar a praia. Não deu, pouco tempo e uma certa distância fazem com que eu e minha colega Renata desistamos da ida a praia. Muito calor e desânimo se abatem agora.


Outra noite no restaurante, após passar o dia recolhendo pratos sujos, copos, talheres e servindo bebidas no deck 12, onde fica o buffet, e o trabalho noturno se estende das 18 horas até às duas da manhã. Os portugueses todas as noites nos fazem parar o trabalho, para dar suas palestras, durante 15 à 20 minutos antes da abertura do restaurante, onde pouco se aproveita. Esse pouco pode ser dado a chefe de cozinha, uma brasileira chamada Teresa, muito competente e com grande conhecimento na área.

A melhor parte da noite sempre vem após o fechamento do restaurante. Depois de muito trabalho, todos se dirigem a cozinha, onde jantamos e sentamos para conversar no crew bar, área de lazer comum a todos os tripulantes. Lambemos nossas feridas, tomamos uma cerveja e por volta das três horas nos recolhemos as nossas cabines.

Na média que fiz das horas dormidas em nove dias dentro da embarcação, pude ver que meu tempo de sono ininterrupto seria de cinco horas por noite, pouco para recuperar os pés e a mente. O banheiro sujo, as dificuldades em arrumar de forma organizada os uniformes, os horários de trabalho, a falta de educação de alguns superiores, a rota do navio que nos dava mais de três dias de navegação em alto mar sem paradas (dois dias de Santos a Salvador, mais um dia de Ilhéus a ilha privativa), a mudança de fuso horário (o nordeste não tem horário de verão) semanalmente e a consciência que o valor financeiro não era tão promissor fizeram eu decidir pela saída da embarcação. Entre os brasileiros, muitos estavam decididos a sair, ou dentro de um mês, ou no final da temporada brasileira, e poucos queriam trabalhar na Europa. Não sei quantos ficarão, mas comigo outros cincos decidiriam sair em Santos.


Para quem quer trabalhar como waiter ou assistant waiter (garçom ou assistente), vale ressaltar que o valor oferecido como salário é pago somente se as “tips” (gorjetas) não ultrapassam o valor oferecido. Em oito dias de trabalho (o primeiro dia não contou) recebi o valor de 420 dólares, mas descontaram na minha saída o uniforme que devolvi integralmente, mais 300 dólares que, segundo a purser, eram despesas de reembolso para trazer outra pessoa no meu lugar. Mas espere um pouco, eu não dei despesas nenhuma para eles, nem de passagens aéreas nem rodoviárias! Como disse um amigo castelhano, todo navio é negreiro. Restaram 74 dólares de lucro e a alforria ao final da viagem. Assim como vimos dez dias antes os rapazes saindo alegres de dentro do terminal de embarque, agora era nossa vez.

Dez horas de espera para pegar o ônibus, algumas cervejas em um shopping de Santos e mais três horas de conversa com um nova-iorquino e sua esposa na rodoviária de Santos, onde recebi o primeiro elogio desde que comecei essa empreitada. Keith, o nova-iorquino de 52 anos, elogiou meu “accent” (sotaque) e disse que meu inglês estava muito bom. Senti que podia ir em frente e que 2009 seria um ano melhor. E, apesar de todos os problemas, quero no fundo do coração que todos os problemas que passei se resolvam (principalmente os banheiros!), pois deixei bons amigos dentro daquela embarcação.

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DOCUMENTAÇÃO, BUROCRACIA E DICAS ÚTEIS

Para aqueles que desejam fazer da vida a bordo uma carreira, um processo lento e que requer muita paciência se faz necessário. Primeiro, não é necessário experiência para os cargos inferiores, mas se souber fazer o mínimo ajuda.  Registro de identidade, cpf e currículo com a função pretendida (em inglês) são os documentos iniciais. A carteira de vacinação internacional com carimbo de vacinado contra febre amarela pode ser conseguida em aeroportos e a vacina tomada em postos de saúde.

O passaporte deve estar em dia e caso não tenha é necessário ir a Policia Federal fazer. Não leve foto a própria polícia faz ela na hora e depois de duas semanas de entrar com o pedido o documento estará pronto.
Também é preciso fazer o curso STCW-95, exigido para todos os que trabalham em embarcações em alto-mar. O curso é organizado pelas agências de recrutamento e o preço varia de R$ 550,00 à R$ 700,00, mais despesas de viagens. Como moro em Curitiba, gastei em torno de R$ 1600,00 com todas as despesas, inclusive as passagens de ida e volta a Santos, que não são reembolsadas pelas companhias. Também é necessário um certificado de antecedentes negativos da Polícia Federal, que pode ser impresso diretamente pelo site da PF.

Ao levar suas malas para o navio, deixe de lado todo o excedente. Se preocupe menos com calças e blusas e calções e mais com um sapato bem confortável, da cor preta, muitas meias pretas (muitas mesmo!), duas ou três dezenas de roupas de baixo, de sete a 15 camisetas brancas para usar por baixo do uniforme, pois somos obrigados a usar uma espécie de “espartilho”, nome que dávamos a um protetor de coluna que coça muito se usado direto sobre a pele. Devo ressaltar aqui que ele funciona, não tive dores nas costas em nenhum dia de trabalho, mesmo com todo o peso que carregávamos, durante toda a noite.

Leve chinelos para uso na cabine, mas também um tênis confortável, pois não é permitido andar de sandálias pelo navio nas horas de folga. Tênis branco, apenas para aqueles que forem trabalhar como bartenders ou staff (terceirizados), pois os cleaners (domésticos que limpam as cabines) e o pessoal do restaurante usam sapatos pretos.

Cortem os cabelos antes de embarcar e as mulheres levem prendedores, pois é proibido trabalhar de cabelos soltos e os preços de corte de cabelos dentro do navio são em dólares.

Quando embarcar receberá um “crew pass”, para acesso a sua cabine, com número de tripulante escrito nele e foto. Nunca perca ele, pois ele também dá acesso a gastos no crew bar, onde o atendente nunca olha a cara do cliente. Outro documento que receberá é o cartão de controle para treinamentos de salvamento no mar. È preciso decorar esse número, pois há treinos constantes e quando seu número é anunciado pelas caixas de som você deverá ir até o local indicado no cartão. Mas isso tudo será explicado pelo chefe da segurança a bordo, em uma palestra explicativa..

Pra aqueles que não se importam em não ganhar gorjetas mas um salário fixo, sugiro que busquem vagas como bartenders ou staff, pois tem horários mais fixos. Vida dura, mas não carregam tanto peso como cleaners, assistants e waiters. Segundo Reinaldo e Flávia, um casal que encontrei na rodoviária de Santos, vindos de outra embarcação e com quatro contratos de experiência, os bartenders de certas companhias recebem gorjetas por bebidas vendidas, o que não era o caso da embarcação que estava, onde os pacotes de viagens incluíam tudo aos passageiros. A dica deles é para procurar navios de companhias norte-americanas, que fazem o Caribe e Europa, pois são os melhores de trabalhar.

As mulheres devem ter outro cuidado. Muita paciência e jogo de cintura, pois os homens no navio estão em sua maioria há um bom tempo sem ver uma mulher, e vi ou ouvi das garotas as reclamações que alguns superiores ou colegas de outras nacionalidades eram muito atrevidos em suas cantadas.

Dependendo da função e escala de serviço, o tripulante tem de três a cinco horas no período da tarde para conhecer os portos onde o navio aporta. Recomenda-se sempre que o “crew” não saia sozinho, sempre tenha alguém junto, para eventuais emergências.

A comida, diferente do que disseram, é muito boa no geral. Salvo alguns pratos típicos da Ásia, com tempero forte e que causam desarranjo intestinal nos brasileiros, a maioria dos pratos são muito bons.
Assim como a maioria, não tive problemas de enjôos ou vômitos, sofri apenas com tonturas nos três primeiros dias. Não tome nada por conta própria, há médicos a bordo que atendem muito bem.

Leve protetores solares e labiais. Não beba muita água, substitua por frutas ou suco de limão, que é fornecido o dia todo em máquinas para os tripulantes.

Última dica
: os nossos “hermanos” são muito unidos e se precisarem sacanear um brasileiro para salvar a pele o farão. Vi durante toda a semana waiters e assistants de outras nacionalidades “emprestando” talheres, copos, paneiras e saleiros da mesa alheia para preencher o chamado “set up” de suas mesas para que a pessoa responsável pelo fechamento do restaurante desse um “ok” com tudo certo na sua área de trabalho.

Os superiores fecham os olhos para isso e deixam o caminho aberto para a competição desleal. Eu tive a felicidade de trabalhar com um cara muito organizado e que, por ser colombiano e com longa experiência dentro de navios não precisava se preocupar com roubos de material de suas mesas, mas nem todos podem ser dar a esse luxo. E busque sempre uma boa convivência com os membros da cozinha, pois os asiáticos trabalham muito e, se você for educado com eles, terá sempre bons colegas de viagem nesses estranhos de cultura tão diferente, mas de fácil convivência.

“Especial Navio” pub. dia 28/12/2008 por Gladson Fabian Marques - fabianjournalsociety@yahoo.com.br

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BOA VIAGEM

pub. dia 21/12/2008 por Thalita Uba  - uba_thali@yahoo.com.br

Recife possui apenas duas praias: Boa Viagem e Pina. Admito que gostei muito de Boa Viagem, a mais famosa, onde me hospedei. Não apenas pela praia de águas límpidas e mornas, mas por todo o bairro (confesso, aliás, que dei uma de mocinha da cidade e fui visitar o Shopping Recife, o maior da cidade, muito bonito e bem organizado), que amenizou a má impressão que tive da cidade depois de ter visitado o centro.

fotografias do blog Acerto de Contas

Acordei às 6h, achando que já tivesse passado das 10h, dada a claridade. “Aqui amanhace lá pelas 4h, se tu quiser ir à praia umas 4h30, 5h, pode ir que já tá cheio de gente”, disse-me o dono do hotel em que estava hospedada. Como não fiquei animada a esperar o dia seguinte, levantar às 4h da manhã e confirmar veracidade da informação, resolvi ir naquele dia mesmo.

Logo ao chegar na beira-mar, veio um vendedor me oferecer coco, cadeira e “água doce pra jogar no corpo”. “Pronto”, pensei. Será Olinda tudo de novo. A bajulação, contudo, parou ali. O moço logo se ocupou de outros turistas que por ali estavam. Aliviada, pisei na areia e a primeira coisa em que reparei foi a placa que avisava para tomar cuidado com os tubarões. “Agora me sinto em Recife”, disse a mim mesma. Lembrei-me de minha mãe e seus conselhos de “não nadar no fundo”. A verdade é que eu não via a hora de me esbaldar naquele mar azul tão convidativo.

Ao iniciar minha caminhada ao longo da orla recifense (Boa Viagem possui 7km de extensão), foi como se minha mente entrasse em um universo paralelo. Desliguei do mundo. Percorri boa parte da praia da Boa Viagem, até quase chegar ao Pina. Em um trecho em que havia poucas pessoas, fiz uma coisa que ninguém deveria fazer (uma das muitas, por sinal): larguei todas as minhas coisas na areia e fui nadar com os tubarões.
A água, além de limpíssima, mal chega a refrescar, de tão quente que é. Ao sair do mar (confesso que por medo de que alguém aproveitasse minha aventura marinha para me levar a bolsa), experimentei uma das melhores sensações de liberdade que já experimentei na vida. A areia fina, o mar azul, o vento forte e até os tubarões, era tudo perfeito.



Foi na volta que me dei conta de que estava tão empolgada quando comecei meu passeio que esqueci de reparar no caminho para voltar (especialmente porque esqueci de ver os nomes das ruas em que tinha que virar pra voltar para o hotel). Por sorte, tenho o privilégio de o lado esquerdo do meu cérebro funcionar bem, de modo que sou boa com direções, mas quando cheguei no ponto em que deveria virar, não consegui. Queria caminhar pra sempre. Continuei andando e, infelizmente, tive uma surpresa um tanto desagradável. A rua de meu hotel dava mais ou menos na metade da Boa Viagem e quando fui caminhar, fui em direção ao Pina. Na volta, quando fui em direção a Piedade (praia do município de Jaboatão dos Guararapes), parecia que estava caminhando em outra praia. Muito lixo, vendedores ambulantes e – o pior de tudo – dezenas de “farofeiros” e outros desocupados. Depois de muitas ofertas de “canga, moça?” e gritinhos de “que beleza, morena” achei melhor voltar. Fiquei realmente triste de ver como um local tão bonito pode, por conta do animal humano, se transformar em um inferno em poucos metros.

Apesar disso, voltei para o hotel depois de três horas de caminhada praticamente incessante com uma sensação ótima. Ao sentar na cama, em meu quarto, beberiquei minha H2OH! e pensei: “À tarde, acho que vou fazer mais uma caminhada”. Antes tivesse me contentado com a boa caminhada da manhã. Lá por 16h (hora em que o sol está se preparando para se pôr e o calor é um pouco menos infernal), decidi andar pelo calçadão até a praça da Boa Viagem, onde há a famosa feirinha da Boa Viagem e a igreja matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, erguida no século XVII. Se disser que não me arrependi, estarei mentindo, O número de farofeiros não apenas dobrou, como tomou conta do calçadão. Eu, com essa pinta de turista do sul (quando não pensam que sou estrangeira), confesso que sofri. Não apenas com as palhaçadas que ouvi (que vinham não somente dos farofeiros, mas também dos vendedores e até de policiais) mas com a quantidade de lixo no chão e o cheiro de urina – quase insuportável em alguns pontos. Trotei até a pracinha (para encontrar metade da tal feira famosa ainda fechada) e, na volta, caminhei pelo outro lado da rua, pela calçada dos grande hotéis e prédios. Atentei, então, para um ponto que não tinha reparado: Boa Viagem, com seus 7km de beleza, praticamente não possui restaurantes e bares à beira-mar. Há apenas prédios e mais prédios. São lindos, é verdade. Mas vejo dois problemas: primeiro, não há sol na praia durante a tarde. Ele é bloqueado por tamanho paredão de cimento. Segundo, aproveitar tanta beleza à tarde e também à noite se limita a um número restrito de pessoas. Só quem mora ou está hospedado em um dos caríssimos hotéis da beira-mar podem desfrutar da beleza da praia, visto que quase não há lugares onde sentar para beber ou petiscar alguma coisa e ninguém é louco (nem mesmo eu) de ir à praia à noite – as manchetes dos jornais locais durante essa semana, inclusive, falavam dos arrastões que estão acontecendo em Recife.

Apesar de tudo, gostei da Boa Viagem. Acho que me conforta pensar que é um local que ainda tem conserto. Basta o ser humano colaborar um pouquinho, pois a natureza inegavelmente fez a sua parte.

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OLINDA


pub. dia 19/12/2008 por
Thalita Ubauba_thali@yahoo.com.br

“É brasileira?”. “Sou.” Cara maliciosa: “É do sul, então”. Cara de quem já respondeu àquela pergunta algumas vezes aquele dia: “Sim”. Sorriso largo: “Altona, olhão verde… É modelo?”. Aqui chega o momento decisivo. Se digo que “sim”, o assunto morre. Se digo que “não”, vem o  “ah, mas devia ser” seguido de todos aqueles conselhos subseqüentes. “Sim”. “Ah”. Pernambuco é famosa por sua gente hospitaleira. Demais, até. Eu, curitibana arisca e crica, tenho problemas em aceitar a recepção calorosa dos habitantes de Olinda. E por mais que a gente tente cortar, eles sempre arrumam um assunto novo pra puxar papo: “Tá chovendo pra caramba lá agora, né?”.

Dizem que quando os portugueses chegaram a Pernambuco e subiram as longas ladeiras da Sé para admirar a bela vista, disseram: “Oh! Linda!”. Nada bobos, esses portugueses. De Olinda é possível vislumbrar algumas das paisagens mais bonitas do mundo, que compensam todo esforço (quase sobre-humano) de subir e descer suas intermináveis ladeiras sob um sol de 35°C. Além da paisagem lindíssima, as graciosas casinhas em estilo português - tombadas patrimônio cultural da humanidade - são um show à parte. Nas igrejas, destaque para os altares cobertos de ouro (literalmente). A única coisa que incomoda são os “guias” - pessoas que te perseguem pra cima e pra baixo contando a história de Olinda sem que você tenha pedido, a fim de ganhar umas moedas. Os vendedores de rua também são assaz inconvenientes, continuam no seu pé mesmo depois de você já ter comprado algo.


Destaque para a tapioca, que fiz questão de provar. Feita na hora pela pernambucana que cantarolava um frevo sem parar. Gostei também de ver a primeira faculdade de Direito do Brasil, onde estudaram Rui Barbosa e Castro Alves (ao menos de acordo com meu “guia”) e que hoje é moradia de alguns monges. A Catedral da Sé (apesar da perseguição dos “guias” e dos vendedores de bugigangas), é parada obrigatória não apenas por seu valor histórico-cultural, mas por abrigar a mais bela vista de Recife. Os largos e praças onde se encontram as esquinas de diversas ladeiras que são tomadas por milhares de pessoas e bonecos durante o famoso carnaval são uma graça, mas a casa de Alceu Valença – ele que me desculpe – não é lá das mais bonitas.

“Leve mais uma, isso aqui tu não vai encontrar mais barato em lugar nenhum, visse?”, ele me garantiu. “Oxe, mas faz um desconto pra ela”, disse o segundo. “Faz por 12″, um terceiro. Pensei em como os portugueses não pensaram que sua descoberta “Oh! Linda!” seria disputada pelos vendedores de toalhas de mesa. Pensei em como seria bom poder desfrutar de toda aquela beleza sem ser incomodada, comendo uma tapioca e tentando adivinhar qual casa seria a de Alceu Valença – “Deve ser a mais bonita”. Retornando à realidade, à bela cidadezinha tombada patrimônio histórico, à vista realmente “Oh! Linda!”, a um povo hospitaleiro demais para uma sulista conservadora e chata, sorri e, pela milésima vez, disse: “Não, obrigada”.

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CENTRO E RECIFE ANTIGO

A nossa Thalita foi pra Recife concorrer num festival de cinema com seu documentário “Absolutamente Anselmo”, neste texto ela nos conta um pouco sobre a cidade


pub. dia 16/12/2008 por
Thalita Ubauba_thali@yahoo.com.br

Eu já viajei bastante pelo mundo. Geralmente sozinha. Já esperei ônibus de madrugada em Los Angeles, andei de metrô depois de meia-noite em Paris, perambulei pelo Harlem (bairro negro de Nova Iorque) sob a luz da lua, passei a noite na estação de trem em Viena e atravessei a Crackolândia em São Paulo. Já fiz minhas peripécias por muitos cantos e confesso que nunca senti tanto medo quanto no centro de Recife.

Após ter conhecido o marco zero de Recife (de onde se avista uma escultura que Brennand fez em homenagem aos 500 anos do Brasil – e que é o monumento mais fálico que eu já vi na minha vida) e passeado por Olinda, resolvi gastar meu tempo conhecendo alguns dos pontos turísticos famosos no centro da cidade como a Casa de Cultura, a Capela Dourada, o Mercado São José e a sede do governo do estado.

Desembarquei na Casa de Cultura – uma antiga prisão transformada em uma espécie de mercado municipal em que as lojas funcionam dentro das antigas celas – e me pus a procurar presentes pra família e amigos. Após o momento consumista, informei-me sobre como chegar à sede do governo pernambucano e ao Mercado São José e comecei a andar.

A cada metro andado, apressava o passo. Além dos inúmeros olhares que me despiam por onde eu passava, começou a incomodar-me a insistência de vendedores de camelôs e de mendigos à procura de esmola. Não bastassem as pessoas, as ruas são demasiado sujas, o que me passava a sensação de estar andando em terreno perigoso e impuro. Não consegui entrar na Capela Dourada por conta das dezenas de moradores de rua que se aglomeravam na entrada (cerca de 30, 40 pessoas), pedindo moedas e lançando olhares ameaçadores à minha pobre Sony Cybershot. Quando finalmente cheguei ao Mercado São José, estava tão enojada e amedrontada que sequer aproveitei o mercado. Dei uma única volta e logo saí, praticamente correndo.

Ao perguntar sobre o ponto de ônibus mais próximo, uma vendedora me respondeu que era mais seguro andar um pouco mais e pegar o ônibus em um local menos perigoso. Eu (muito macho), que queria assistir a Ixpórti e Coxa na Ilha do Retiro, desisti rapidinho. Prometi a mim mesma que nunca mais voltaria àquele lugar horroroso e voltei à Boa Viagem.



Contudo, dia em que encontrei um amigo pernambucano que me apresentaria a “night” recifense, ele fez questão de dar umas voltas extras de carro para me provar que o centro não era tão horrível assim (apesar de ele concordar que as pessoas são realmente assustadoras). E de fato, Recife à noite é, além de menos assustadora, muito mais bonita (o que embasa minha teoria de que o que estraga o Recife são as pessoas e não a cidade em si – visto que também são as pessoas que sujam as ruas). Apesar de ainda decepcionada, fiquei um pouco menos desgostosa com o centro.

De lá seguimos para o Bairro do Recife, também conhecido como Recife Antigo, onde se localizam muitas construções históricas, como a sinagoga Kahal Zur Israe, a primeira das Américas. É também lá que ocorre o melhor do carnaval recifense, mais tranqüilo que o de Olinda, onde trios elétricos são proibidos e a festa é comandada por blocos carnavalescos e manifestações culturais. Recife Antigo é muito bacana, com seu ar boêmio e suas dezenas de bares. Confesso que só não senti medo porque estava acompanhada de um “nativo”, pois a quantidade de flanelinhas supera o Largo da Ordem, com a diferença de que em Recife eles são muito mais falantes – logo, ao menos na minha concepção, mais assustadores. Mas o bairro é, no geral, extremamente agradável e os bares, muito bons.

Relembrando tudo que vivenciei, aconselho que ninguém visite o centro desacompanhado (especialmente se for mulher) e que dê um passeio pela cidade à noite, que é quando a tal “Veneza brasileira” parece surgir. A Casa de Cultura vale a pena tanto pra conhecer quanto pra fazer aquelas compras básicas de turista. Recife Antigo é imperdível à noite e, se possível, arrume um “guia” local pra fazer tudo isso com você. É o mais prudente.

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