terça-feira, 6 de setembro de 2011

ATÉ ACABAR A PILHA

Nas noites de sábado, o piso de granito do Itália vira palco para as batalhas de dança entre os b-boys


Um sábado à noite no centro de Curitiba. Por volta das 19h, b-boys e b-girls de diversas partes da cidade começam a se reunir em frente ao Shopping Itália.

Entre um papo e outro, alguém então passa o boné e o pessoal faz uma vaquinha para a compra de oito pilhas grandes. Como não há uma tomada disponível no local, são essas pilhas que alimentarão um daqueles rádios portáteis, à moda antiga, que é trazido por algum b-boy de boa vontade.

(Sem existir uma organização formal que regule esses encontros, às vezes acontece de ninguém trazer o som. O que tira muito a graça da noite, mas não impede que os b-boys aproveitem para trocar idéias ou exibam mutuamente os movimentos que treinaram durante a semana).

Democracia na roda
Assim que a música começa a tocar, os b-boys se dispõem em círculo e, de instantes em instantes, um deles toma a iniciativa e vai para o centro da roda de break.

O b-boy começa fazendo o toprock, uma dança em pé na qual ele apresenta o seu estilo, e só depois desce para o footwork, em que ele dança com as mãos apoiadas no chão, agachado sobre os calcanhares. Depois de desenvolver passos variados, normalmente o dançarino termina sua performance com um freeze, isso é, “congelando” um movimento, ao que é imediatamente substituído por outro b-boy.

Como a reportagem pôde verificar, a roda de break é um espaço democrático, em que qualquer pessoa tem a oportunidade de entrar e dançar. Basta um mínimo de coragem ou cara-de-pau para não se intimidar com os olhares atentos de quem fica em volta. Independente de dançar bem ou mal, todo mundo é sempre incentivado com aplausos.

Batalha de b-boy
Diferente das improvisações descompromissadas que acontecem na roda e que são abertas a todos, quando dois b-boys ou duas crews (grupos organizados de b-boys) decidem instaurar uma “batalha”, a dança fica restrita a esses dois lados que vão duelar. E isso só termina quando alguém ou um grupo se dá por vencido (o que demora) ou por algum outro motivo externo, como quando acabam as pilhas do rádio, por exemplo.

“Nessa hora é como se o outro que está dançando fosse meu inimigo”, reconhece o b-boy Émerson “Piolho” sobre esses momentos de competição. Tais pelejas costumam ser tão catimbadas, que quem assiste a um “racha” pela primeira vez pode até ter a impressão de que uma briga de verdade vai estourar a qualquer momento.

Porém não é o que acontece. Os b-boys explicam que as poses de mau e a postura aguerrida de alguns são parte do jogo e, no geral, quando acaba a roda, tudo fica em paz.

Uma paz que significa, é bom frisar, camaradagem, ausência de violência, e não uma interrupção das batalhas. Embates futuros são sempre estimulados, seja para o “perdedor” tirar a desforra ou para o “vencedor” confirmar a sua supremacia no break. Isso faz os b-boys treinarem ainda mais, o que só eleva o nível de todos.

POR DENTRO DO BREAK

Break, breakdance, breaking ou b-boying (os dançarinos mais puristas preferem os dois últimos termos às outras variantes) é a dança surgida em meados dos anos 70 nos Estados Unidos, dentro da cultura hip hop. É um dos seus quatro elementos, junto com as artes do DJ, do MC e do grafiteiro.

B-boy é o dançarino de break. O termo foi criado pelo DJ Kool Herc, o “pai” do hip hop. Herc chamava de “break-boys” ou “b-boys” aqueles que começavam a dançar quando ele repetia em seu toca-discos a parte instrumental de uma música, o chamado “break”.

Funk, soul, disco e até danças caribenhas influenciaram o break. Movimentos da ginástica olímpica, de kung fu e da capoeira foram igualmente incorporados pelos b-boys.

“Moinho de vento” (o b-boy gira deslizando com as costas no chão), “head spin” (giro de cabeça no chão) e “flare” (giro com as pernas abertas, como aquele feito no “cavalo” da ginástica olímpica) são alguns dos inúmeros movimentos do break.

O break geralmente é dançado ao som de funk americano, de rap com batidas aceleradas ou com mixagens conhecidas como breakbeats.


“ATÉ MEUS 50 ANOS EU QUERO DANÇAR BREAK”

João Anselmo Moreira dos Santos, o “Aranha”, conta um pouco de sua história e da história do break em Curitiba

Foto: Leandro Hammerschmidt

João Anselmo Moreira dos Santos, mais conhecido como “Aranha”, foi um dos primeiros b-boys e black powers da cidade no início dos anos 80. Mais de duas décadas se passaram e ele continua fiel as suas raízes. Dos pés (que ainda calçam um par de adidas cano alto) à cabeça (com sua indefectível cabeleira black).

João conta que a sua relação com o movimento hip hop começou em 1983, quando ele, que é parnanguara, veio morar em Curitiba após brigar com a sua madrasta. Na capital, como também não se acertou na casa de sua irmã mais velha, a única opção que lhe restou foi morar nas ruas. Tinha apenas 11 anos de idade.

Perambulando sem destino por aí (nessa época sobrevivia oferecendo pequenos trabalhos de casa em casa, muitas vezes em troca de comida), João conheceu alguns moleques que já dançavam break, como Vilmar, “Carioca”, “Celião” e Eddy. João não sabia dançar, mas queria andar com aqueles garotos. Acabou sendo acolhido por eles e logo estava dançando com esse grupo de b-boys diante do recém inaugurado Shopping Itália.

Por que dançar especificamente ali? João responde: “Além do piso ser bom para dançar, ali era o centro de tudo e havia um clima gringo no ar. Era a nossa Nova York”.

Já um b-boy formado, João ganharia o apelido de Aranha depois que tatuou um aracnídeo no braço, e também porque transformou o movimento de break conhecido como “aranha” (em que o dançarino coloca as pernas sobre os ombros) em sua marca registrada.

Foto: Franco Caldas Fuchs


Estilo brasileiro
Quando o movimento hip hop estava apenas começando em Curitiba e muitos imaginavam que aquilo seria apenas uma moda passageira, João lembra que às vezes pensava: “Um dia essa minha loucura ainda vai ser a de várias pessoas”.

Estava certo. Em pleno século XXI, a cultura das ruas continua atraindo mais e mais jovens da periferia e até de classes mais abastadas. “Os filhos de papai hoje ouvem rap, escutam Racionais… Agora o que é do povo é nosso, eles pensam. Mas não é não”, diz João, indignado com uma banalização que também assolou o hip hop.

João também não poupa críticas inclusive a uma parcela de b-boys que praticam o break atualmente. “Eu vejo esse break como uma dança estranha. Antigamente não tinha tanto esse lance de se jogar no chão, de dar cambalhota… São poucos hoje os que dançam realmente em cima [em pé]. Perdeu-se uma essência”, reclama.

Mas independente de todas as mudanças, João, aos 36 anos, faz questão de continuar dançando. “Até os meus 50 eu quero dançar break!”. E do seu jeito: “Não sou xerox de gringo nenhum. Meu estilo é bem brasileiro”.

Comemorando 25 anos de carreira em 2008, tendo participado de grupos como o West Side Breakers, Itália Força Break e Twister Rock Style, e dançado em shows do Sabotagem, Marcelo D2 e Art Popular, João diz que se sente realizado como b-boy, ainda que o break não traga o retorno financeiro que ele merece. Seu maior retorno é mesmo quando as pessoas o reconhecem e elogiam a sua dança.

Franco Caldas Fuchs
(24/06/2008)

SAN FERMINO

Carlos André, grande amigo, será nosso correspondente na Europa. Neste primeiro texto ele nos conta como foi sua aventura naquela festa em que as pessoas fogem dos touros:

Desembarquei em Londres e passarei algum tempo aqui reportando os acontecimentos e curiosidades no velho continente. Chego aqui e registro tudo em meu bloco de papel com informações e reflexos a respeito da Europa: grandes arquiteturas, lugares históricos, mulheres, comportamento, álcool, festas, drogas, música.

O verão europeu é muito movimentado, deixando o continente infestado de festivais, festas, shows. Acompanhei alguns eventos como Formula 1, Glastonbury e Festa de Sanfermino. Um dos motivos da grande quantidade de festas que ocorrem nessa época do ano se deve ao tempo que o sol que permanece no céu desde as 5:00 até 22:00 da noite, o que anima ainda mais os eventos e tiram as pessoas do conforto de seus lares para explorar a Europa.

Fui para a Espanha na busca de um festival de Heavy metal, acompanhei a corrida dos touros. Quando desembarquei na Espanha, em Madrid, fui à procura da casa de Gabriel, um grande amigo e com ele iríamos para dois dias de festival de Heavy Metal com a presença de bandas como Iron Maiden, Deep Purple, Saxon, Slayer, Iced Earth etc, assistimos a duas bandas e uma chuva acabou com os dois de festival.
Decidimos pegar o carro e ir para Pamplona, lá teríamos a festa de San Fermin. Festa de San Fermin? É a festa que todo ano passa no Jornal Nacional na qual as pessoas correm dos touros. Quando decidimos isso já fui percebendo onde estava começando minha reportagem.

Chegando em Pamplona fomos a procura de algum lugar para tomarmos um refresco e um Ron, compramos uma capa de chuva, pois estava chovendo, pegamos o nosso drinque e seguimos a pé a procura do local da festa e o caminho da corrida dos touros, por que não assim na loca, eles determinam um caminho para as pessoas fugirem dos touros. Ao chegarmos à Rua Principal da cidade A Calle Carlos III encontramos uma banda, dessas de marchinha, se aquecendo na frente de um bar e então esperamos e acompanhamos a banda, fomos dar em Plaza del Castillo, ali tinha dois bares abarrotados de pessoas cantando e pulando. (Grande detalhe: as cores da festa é vermelho e branco, quase todas as pessoas estão com no mínimo um lenço vermelho no pescoço).

O caminho dos touros fora do horário da corrida é uma festa de rua, com muitas bandas de marchinha e pessoas de todas as idades acima dos 17 anos bebendo e cantando musicas tradicionalmente espanholas (Olé olé olé eh muito comum). Os touros correm todos os dias de festa - 6 a 14 de julho – as 8:00 da manha, depois disso os bares reabrem as portas e a festa continua. Andamos por todo o caminho ate onde os touros ficam esperando o dia seguinte. A cidade esta em festa: cerveja, rum, maconha, cocaína, sexo, musica. O grau alcoólico de todos os participantes é extremamente elevado, em alguma altura eu me incluía entre os bêbados de lá, cantava e pulava. Mas até onde me lembro a festa é realmente contagiante.

As mulheres espanholas são lindas. Dedico esse parágrafo a ela: a espanhola. Quando passar na Espanha será inevitável não reparar na beleza das espanholas. Lábio superior para frente, nariz pra cima, o rosto é moldado por mãos abençoadas, o corpo é fino, mas sensualidade não as falta. Em uma festa como San Fermino não tem como reparar como as mulheres deixam a festa ainda melhor, andando pela rua vendo as mulheres sorrindo, dançando, qualquer apaixonado pelas mulheres (como eu) se afoga de felicidade.

Ao final do primeiro dia fomos eu e meu companheiro de viagem dormir no carro, acordamos seis e meia da manha para vermos a corrida dos touros, ou melhor, queríamos correr dos touros, aguardamos um tempo e a policia tirou o excesso de pessoas, nos fazíamos parte do excesso, acabamos ficando atrás de todo mundo que estava lá para ver a corrida, esperamos, esperamos a corrida acontecer e durante um Segundo ouvimos um barulho forte e extremamente rápido, apenas um “vulum”, os touros passaram. Não vimos, tínhamos que voltar para Madrid.

Infelizmente não acompanhei a corrida dos touros, mas posso defender a festa, a qual dura mais tempo. A melhor festa religiosa que eu já acompanhei na minha vida, próxima reportagem que fizer lá pretendo acompanhar os oito dias de festa e contar todos os detalhes do que acontece na festa, mas não do que acontece comigo, lógico.

É isso!

BOCA A BOCA DE LIXO

Não há cidade que não enfrente hoje sérios problemas com o destino do lixo que produz. Em Curitiba, por exemplo, ainda ninguém sabe para onde irão os seus detritos quando a vida útil do Aterro da Caximba se esgotar. O que acontecerá em breve. Mas o texto que vocês lêem a seguir não é bem sobre isso. É uma singela apreciação crítica do Jornal TiraGosto sobre o documentário Boca de Lixo (1993) de Eduardo Coutinho



por Leandro Hammerschmidt, pub. dia 03/07/2008

O estilo do diretor Eduardo Coutinho lembra o do repórter Goulart de Andrade. Sua voz calma, o jeito de ganhar as pessoas pro seu filme. Essa voz curtida, o vento e a música do lixo causam, em mim pelo menos, a deliciosa sensação de frescor. Faço a ressalva porque muita gente pode achar o lixão um lugar deplorável. Mas visto aqui na TV parece um lugar bem interessante: muita informação e muito extrato humano
.
A fotografia e as imagens do Boca de Lixo são bem mais simples do que o documentário Estamira de Marcos Prado - que já ganhou 23 prêmios e foi considerado “Excelente” pela crítica do jornal The New York Times. Isso não quer dizer que um é melhor do que o outro. Pensei e me diverti muito assistindo Estamira, Boca do Lixo e também Ilha das Flores, do Jorge Furtado. Só quanto ao Estamira, poderia ser mais curto (dava pra editar).

Cito esses três porque ambos têm um lixão como cenário. E falo mais sobre os dois primeiros porque eles se usam dos “trágicos”: a Estamira é esquizofrênica e o Boca de Lixo usa as crianças, os “amantes” que tem seis, sete filhos, a nega véia, o Papai-Noel. Gosto muito da estética do Eduardo Coutinho, acho muito bonito filmar um aparelho de televisão.

Porém no “Boca” o que mais gosto é a música do Roberto Carlos (um profeta) tocada em pagode pelo Agepê, gosto muito da menina que canta sentido filha da nega velha. Também gosto um pouco do vendaval do Estamira, daqueles cenários de fogo que lembram os clipes do Iron Maiden, das cenas em P&B, dos urubus, do mar agitado, das profecias e revelações da Estamira. E dos trocadiuulos também.

Sobre o tema não é chocante não. Pra mim vale muito a linguagem, a coisa pronta, mais do que a grande idéia batida de usar loucos, miseráveis, profetas embriagados, poetas, putas, bandidos, desvalidos: todos aqueles do o que será. Entendo que usar essa gente vem na linha de um costume lusitano de olhar entranhas de gente, na Grécia era de bicho, pra se fazer previsões. Mas pra isso não é qualquer um que serve. Pra fazer uma previsão certeira é preciso olhar as entranhas daqueles que mais amam. Prestem atenção nisso!

Para os documentários em especial: olhar essa gente tanto serve pra fazer prognóstico quanto pra fazer um bom vídeo e ganhar 23 prêmios – sem crises.