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sexta-feira, 18 de maio de 2012

O PECÚLIO DE LÚCIFER


pub. dia 07/04/2009 por Léo Gluckgluckose@hotmail.com
Enquanto existir, por efeito das leis e dos costumes, uma condenação social, que produza infernos artificiais no seio da civilização, e desvirtue com uma fatalidade humana o destino, que é inteiramente divinal; enquanto os três problemas do século - a degradação do homem pelo proletariado - a perdição da mulher pela fome - a atrofia da criança pelas trevas - não forem resolvidos; enquanto em certas regiões for coisa possível a asfixia social; ou, noutros termos, e sob aspecto mais amplo - enquanto houver na terra ignorância e miséria, não serão os livros como este, de certo, inúteis.

Hauteville House, 1 de janeiro de 1862.

VICTOR HUGO - Os Miseráveis


Sobre mim, neste instante, desce um tal orgulho de não pertencer à classe dos indignos de coração. À classe dos que fazem de tudo por dinheiro, dos que se arrastam na miséria em busca do tesouro, dos que inopinadamente galgam alguns degraus na porca e hedionda hierarquia da pecúnia e acham normal mostrar a todos os outros que os cremes nos quais se besuntam custam mais caro que todo o lar que a massa ignara demorou uma vida para pôr de pé. Quando eu penso que não sobra dessas pessoas um único fio de cabelo sem lama grossa que indique um fim de vida mediano ou talvez uma opaca luz no fim do túnel, me ponho a classificar a raça humana como um dos grandes erros da História Clássica.

Ninguém me faz pensar que os dinossauros arrastariam as carcaças enormes e de aura límpida atrás de miseráveis contas públicas ou que as teriam treinado para suportar a necessidade de ir tão baixo em sua existência.

Nós somos um erro. De cálculo, de tempo e de espaço. Nós viemos para esse mundo para brigar por coisa pouca, por mesquinharia, por pequena estupidez. Não fazemos o mínimo uso do que temos de maior, mas, por nossa vez, fazemos total uso do que temos de menor. E, o que agrava tudo, o fazemos para “obter” o que há de menor. Talvez eu idealize a coisa toda romanticamente, mas fato é que não passa um dia sem que o ‘vil metal’ não nos assole a todos com os mínimos problemas que somente ele cria e que nós jamais resolveremos. Tempos faustianos imemoriais, quando já a alma é facilmente negociável e o corpo é facilmente removível; podemos dispor de tudo! Não sobra nada, tudo foi transacionado. O que significará empunhar, altivamente, a autêntica bandeira de quem disse todas as letras de vocabulário próprio e não vendeu, trocou, escambou, permutou, pernoitou (as prostitutas, essas sim são gente digna, cuja ofensa - se a há - tem somente o corpo como destino), escudou ou esfalfou nenhuma? Temo a resposta. Tenho asco, engulhos e vontade de vomitar nauseabundamente quando penso que foi para isso que viemos.

Não, douto leitor, não foi para amar e ser amado que você veio. Eu sinto muito. Foi para pedir emprestado tudo o que você não consegue roubar. Foi para roubar tudo o que você não consegue legítima e nobremente possuir. Foi para não possuir o que você não consegue enxergar. Foi para não enxergar o que você não consegue imaginar. Foi para não imaginar o que você sequer considera. Foi para não considerar o que te é de pouco valor. Foi para pouco valorizar o que você empresta. Tudo se resume num papel descorado e gasto cujas letras ninguém lê, porque ler, meu caro, é o menos importante.


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domingo, 1 de abril de 2012

RETRATO DA VIDA MAMBEMBE



Espetáculo de rua Companhia Frazão estréia no Fringe com um retrato irreverente da vida dos atores itinerantes. Montagem do grupo paraense Cia. do Intérprete explora o uso de esquetes musicais nessa adaptação da comédia O Mambembe, de Arthur Azevedo

Peleja contínua, a vida dos grupos mambembes não mudou nada desde que o ator grego Téspis, no século VI a.C., pôs pela primeira vez uma máscara e saiu com sua carroça fazendo teatro. Sempre na estrada, em busca de comida, pouso e espaço para se apresentar, eis também a realidade dos personagens de Companhia Frazão, espetáculo de rua que estréia na mostra Fringe, do Festival de Curitiba, no dia 6 de abril (sexta-feira), às 13h, na Praça Santos Andrade. A peça fica em cartaz também no dia 7 às 15h, e no dia 8, às 15h e 17h, no mesmo local, com entrada gratuita.

A montagem do grupo paranaense Companhia do Intérprete é uma adaptação da comédia O Mambembe, de Arthur Azevedo (1855 - 1908). Considerada uma das principais obras do dramaturgo maranhense, o Mambembe fez sucesso especialmente com uma montagem dirigida por Giani Ratto (1916-2005) em 1959, que trazia no elenco atores como Fernanda Montenegro e Sérgio Britto (1923-2011). “O texto de Arthur de Azevedo foi escrito em 1904, e é impressionante como continua atual. Ao contar a história de uma companhia mambembe que luta para sobreviver, a peça mostra como ainda é muito difícil a situação de quem faz teatro no Brasil”, diz o ator e diretor Elderson Melo.
 




Musical irreverente
Outro destaque da peça é o grande número de cenas musicais, que mesclam diversos ritmos. Há desde sambas a uma ária extraída da Flauta Mágica de Mozart, passando pela folclórica La Bella Polenta, que embala uma verdadeira “dança da fome”, muito apropriada para ilustrar a realidade do ator brasileiro. “A peça é bem para cima e a música não podia fugir disso. Então queremos que as pessoas cantem, dancem, batam os pés e interajam com a gente!”, destaca o músico Daniel D’Alessandro, responsável pelos arranjos e pela trilha sonora ao vivo.

leia neste link o texto completo de Franco Fuchs e confira as fotos de Vanessa Vzorek

SERVIÇO
Espetáculo
: Companhia Frazão, baseado em O Mambembe, de Arthur Azevedo
Grupo: Companhia do Intérprete (PR)
Direção: Elderson Melo e Hermisson Nogueira
Datas e horários no Festival de Curitiba: 6 de abril (sexta) às 13h; 7 de abril às 15h; 8 de abril às 15h e 17h
Local: Praça Santos Andrade
Ingressos: Entrada gratuita

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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

AINDA É NECESSÁRIO GOZAR

E a seção de sexo do JTG está volta! Hoje com a inestimável participação do teatrólogo curitibano Ricardo Nolasco que, a partir da obra da escritora Hilda Hilst, lança as seguintes questões: literatura pornô também pode ser considerada “alta literatura”? A arte pornô pode ser uma arte maior?

pub. dia21/01/2009 por  RicardoNolasco - misterwild@gmail.com

Se pudesse seduzir a morte,
lamber-lhe as axilas, os pêlos pretos,
babar no seu umbigo, enturpir-lhe as narinas
de hálitos melosos, e dizer-lhe:
sou eu, gança, sou eu, mariposa,
sou Karl, esse que há de te chupar eternamente
a borboleta se tu lhe permitires
longa vida na olorosa quirica do planeta.

(CARTAS DE UM SEDUTOR. Hilda Hilst.)

Já é hora de mergulhar na literatura pornô de boa qualidade e entendê-la como alta literatura, quando for. Separar corpo de mente não é a melhor saída para ambas as partes. O erotismo é um gênero com as mesmas exigências.

Que a literatura possa nos satisfazer. Que ainda possamos gozar sem ofender a intelectualidade…
“Uma escritora séria” foi por muito a melhor definição para Hilda Hilst. Versando pela dramaturgia, poesia, prosa. Vasculhando nos híbridos literários, desafiando estilos, misturando tudo. Sempre com linguagem indomável, efeitos, flashes, cortes. A musa de Vinicius de Morais e mais meia dúzia de escritores igualmente sérios. Um estilo que lembra James Joyce na estrutura e na técnica, temáticas profundas e existencialistas, escrita certeira e nebulosa. Hilda Hilst era aclamada como o grande talento literário brasileiro, até produzir seus primeiros trabalhos em prosa e versos eróticos.

De imediato odiados pelo leitor, levando quase imediatamente seus livros para a prateleira da pornografia nacional, ao lado de Cassandra Rios. É ali que muitos encontram seus livros, por mais irônico que possa parecer, se assustando com seus conteúdos e desistindo rapidamente de tal literatura enfadonha.
Longe de mim reproduzir o pensamento da maior parte da crítica literária, que luta por resgatar Hilda Hilst do limbo da literatura pornô. Literatura pornográfica sim. Mas tão pornográfica quanto séria. Em “O Caderno Rosa de Lory Lamby”, seu primeiro e mais chocante livro erótico há um estudo complexo da alma humana, do incesto, e do próprio sexo. Há uma forte intertextualidade (aos moldes de Virginia Woolf) com clássicos literários. Critica a banalização da literatura, retrata o ser humano.

Talvez sua maior proeza literária esteja entre seus livros considerados de baixo calão. “Bufólicas”, um livro de poemas onde o pastiche e a paródia são executados com maestria, como indica o título que transforma o poema bucólico parnasiano em um bom exemplar do poema bufo e burlesco. Personagens míticos como duendes, reis e fadas são revistos sob o olhar da perversão e do humor. Como um bom livro de fábulas, em cada poema, são apresentados os personagens, posteriormente o problema, e ainda a resolução do problema. Finalizando sempre com uma “instrutiva” lição de moral.

Em qualquer de seus livros o erotismo sempre é atrelado à violência.

“Só três noites de amor, só três noites de amor”, implorava o pai, sim, o pai, ele nunca fizera uma coisa como essa, sim, era Jaú, interior de São Paulo, um dia qualquer de 1946, sim, a filha deslumbrante, tremendo em seus 16 anos, sim, o pai a confundia com a mãe, a mão dele fechada sobre a dela, sim, o pai a confundia com a mãe, a confundia, sim?…”

(CARTA AO PAI. Hilda Hilst)

Um erotismo que não esteja relacionado simplesmente a situações de perversões bizarras. É um grito de subversão. A descrição, muitas vezes entendida como vulgar, de uma relação que nunca é apenas sexo. É repleta de traumas, medos e motivos. Narrativas de uma mulher (mesmo quando assume alter ego masculino) que se põe acima da categoria de objeto de desejo.

Conteúdos tão subversivos e insultantes ao leitor como a sua escrita.

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